Embrapa discute futuro da conservação de recursos genéticos vegetais

Embrapa discute futuro da conservação de recursos genéticos vegetais

O agronegócio é um dos pilares da economia brasileira e representa mais de 23% do nosso PIB. As bases que sustentam esse pilar são os chamados Recursos Genéticos, também definidos como a fração da biodiversidade com previsão de uso atual ou potencial. A conservação dos recursos genéticos vegetais foi tema de um workshop realizado pela Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia na terça-feira (19), em Brasília – DF. O evento contou com a presença de uma das maiores autoridades mundiais na técnica de criopreservação, o pesquisador Hugh Pritchard, do Royal Botanical Gardens (Kew, Reino Unido).

O presidente da Embrapa, Maurício Lopes, abriu o workshop com uma palestra que citou vários exemplos de como o homem se tornou capaz de conhecer, enriquecer, conservar e utilizar os recursos genéticos para o bem da humanidade. Ele citou como exemplo a tropicalização da soja, a produção de energia a partir da biomassa e a descoberta de novas espécies na Amazônia com grande potencial de uso futuro.

A conservação dos recursos genéticos é responsabilidade primeira da pesquisa pública, afirmou Lopes. “O País não pode esperar que o setor privado faça esse investimento. Temos buscado cumprir bem essa missão dentro da Embrapa”, disse, lembrando que é cada vez maior a pressão externa para explicar o que a Empresa faz para quem “paga a conta”.

O presidente da Embrapa ressaltou que o enriquecimento e a conservação de recursos genéticos não podem ser estáticos. “O acervo de hoje não será o de amanhã”, disse, enfatizando a necessidade de se refletir o tema conservação numa lógica mais ampla e integrada que justifique para a sociedade os investimentos que são feitos nessa ação.

Para Lopes, existe uma enormidade de perspectivas de uso que sustentam e justificam esses investimentos. Muitas delas compõem a agenda global dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ODS/ONU), dentre as quais está a segurança alimentar e a agricultura.

“Ao pensar o futuro da conservação de recursos genéticos é muito importante olhar para essa agenda, em que a agricultura e alimentação perpassam quase todos os objetivos e metas acordados”, afirmou, dizendo ainda que a agenda reflete as mudanças nas necessidades e expectativas da sociedade e mostra que é perfeitamente possível produzir desenvolvimento econômico com melhoria ambiental.

O presidente da Embrapa lembrou que as novas ferramentas geotecnológicas podem ser úteis para auxiliar a conservação in situ, que é quando a preservação das espécies é feita nos ecossistemas e habitats naturais. Lopes fez uma provocação à plateia ao projetar que o futuro da conservação talvez não seja físico, mas virtual. “Por que não pensar em um futuro em que, ao invés de conservar recursos físicos, se conserve acervos virtuais, digitais, que não carreguem o custo imenso de estocagem?”, questionou.

Segundo Lopes, o discurso de “guardar dinheiro embaixo do colchão” é incômodo e reflete uma visão estática da conservação de recursos genéticos.

Mudanças climáticas justificam a criopreservação, afirma Pritchard

O pesquisador Hugh Pritchard, do Royal Botanic Gardens, em Kew (Reino Unido), abordou o futuro da conservação de plantas a partir da perspectiva da criopreservação, em que as células ou tecidos biológicos são preservados por meio do congelamento a temperaturas muito baixas, em geral -196°C, em nitrogênio líquido.

Pritchard mostrou o crescimento de publicações científicas sobre o tema criopreservação na última década, apesar de esta ser uma técnica que existe há quase 200 anos. Em Kew Gardens, por exemplo, o cientista encontrou documentos que falam de criopreservação de sementes desde 1899.

Para o cientista, as projeções de impacto das mudanças climáticas a nível mundial justificam os investimentos em criopreservação. Ao mencionar as espécies ameaçadas de extinção que compõem a “lista vermelha” da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN), Pritchard defendeu a necessidade de se preservar tanto os recursos genéticos das espécies domesticadas (global crops) quanto os chamados parentes silvestres das culturas (wild relatives).

“A criopreservação é uma oportunidade não apenas de conservar, mas de reduzir o tempo de envelhecimento das espécies”, disse Pritchard, citando uma estimativa de que 240 mil espécies mundiais poderiam se beneficiar da técnica.

“Embrapa possui infraestrutura ideal para a criopreservação de plantas”, diz pesquisadora

A pesquisadora Izulmé Santos é uma das especialistas em criopreservação da Embrapa. Ela afirmou que a empresa possui uma infraestrutura ideal para a criopreservação de plantas, tanques com capacidade para armazenar até 120 mil amostras, além de uma fábrica de nitrogênio líquido que garante a autossuficiência no abastecimento dos tanques.

Izulmé explicou que a Embrapa conserva amostras de tecidos, células e órgãos de espécies vegetais nativas e também exóticas, usadas tanto pelo sistema produtivo quanto pelas populações tradicionais, a exemplo do Jenipapo, Pequi e algumas fruteiras e palmeiras.

“A criopreservação abre a possibilidade de mantermos alta estabilidade genética e integridade biológica por um período de tempo longo e indeterminado. É uma tecnologia com custo-benefício muito bom”, afirmou.

A pesquisadora concluiu dizendo que a Embrapa já criopreservou com sucesso cerca de 30 espécies de plantas cujas sementes são ortodoxas (que sobrevivem à secagem e congelamento) e que o desafio para o futuro é desenvolver novos protocolos de congelamento e aumentar o corpo técnico-científico trabalhando com o tema.

Demandas da sociedade para a conservação de recursos genéticos

As demandas da sociedade para a conservação de recursos genéticos foram apresentadas por cinco pesquisadores, representando quatro áreas de atuação distintas no que se refere a interesses e públicos: conservação da flora, melhoramento genético, agricultores tradicionais e comunidades indígenas.

Os pesquisadores do CNCFlora/Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Gustavo Martinelli, e do Herbário do Parque Zoobotânico da empresa Vale em Carajás, PA, Luiz Coelho Lemos Neto, apresentaram as principais demandas para recursos genéticos em prol da conservação da flora brasileira pelas óticas dos setores público e privado, respectivamente.

Martinelli enfocou as metas propostas pela Estratégia Global para Conservação de Plantas (GSPC, sigla em inglês), como parte da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), ratificada pelo Brasil em 1992. Em atendimento à primeira meta dessa estratégia, os países signatários da CDB devem conhecer a fundo a sua flora. Já a oitava meta prevê que pelo menos 75% das espécies de plantas nativas da flora brasileira estejam conservadas in situ, ou seja, em seus habitats. Segundo ele, até o presente momento, das 46.298 espécies da flora brasileira, das quais 36.127 são nativas, 6.098 estão caracterizadas e conservadas, o que representa 17% do total.

Em relação às demandas, Martinelli destacou que o apoio da Embrapa é fundamental no que se refere à conservação de plantas em todos os 36 jardins botânicos que existem hoje no Brasil. A criopreservação é incipiente e a conservação in vitro só é realizada por três destes espaços. A maior parte das coleções é mantida viva. Diante dessas dificuldades e da necessidade de atender à GSPC, ele explica que os jardins botânicos se uniram para propor ao governo federal uma estratégia nacional para conservação da flora brasileira, para a qual pretendem contar com a parceria da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia.

Luiz Coelho Neto, representante da empresa Vale no mosaico de Carajás, PA, falou sobre as demandas para recuperação de áreas degradadas em todo o complexo minerador de Carajás. Ele ressaltou o trabalho desenvolvido em parceria entre a Vale, Ibama, Embrapa, ICMBio e a empresa Vegeflora, do grupo farmacêutico alemão Merck, desde 2009, para preservar o Jaborandi, espécie medicinal que estava seriamente ameaçada de extinção no final da década de 1980.

Em relação aos gargalos para os quais a Vale espera contar com o  apoio da Embrapa, ele ressalta a  conservação de sementes de Jaborandi a longo prazo, o fortalecimento dos estudos sobre esta espécie e a parceria na produção da pilocarpina, substância de extrema importância para a indústria farmacêutica e utilizada na produção de colírio.

José Baldin, da ESALQ/USP resumiu como principais demandas para o melhoramento de plantas o fortalecimento das atividades de caracterização genética e de pré-melhoramento, a criação de um sistema de informação amigável e transparente, o apoio à produção de sementes e, principalmente, mais empenho na formação de coleções nucleares (core collections). Essas coleções representam, com um mínimo de repetitividade, a máxima diversidade genética conservada de uma espécie e seus parentes silvestres.

Ele ressaltou ainda que é preciso estar atento às novas demandas que se apresentam para a conservação de recursos genéticos vegetais, entre as quais se destacam: mudanças climáticas, biofortificação, bioenergia, melhoramento preventivo e o surgimento de novos mercados para produtos sustentáveis.

Gabriel Fernandes, da AS-PTA, enfatizou como principal demanda dos agricultores tradicionais o acesso aos bancos genéticos da Embrapa, que já está sendo negociado desde o lançamento do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO) pelo governo federal em 2013. Ele ressaltou também a necessidade de qualificar os agricultores familiares para que possam produzir sementes e mudas de qualidade e o apoio a redes territoriais de resgate, coleta e conservação de espécies vegetais.

Gabriel explicou que além de permitir o acesso aos bancos genéticos, a Embrapa deveria elaborar um plano de multiplicação e distribuição de sementes e mudas para os agricultores. “O acesso aos BAGs é uma etapa, mas é necessário que a Embrapa apoie ações de melhoramento participativo, produção de sementes, políticas públicas e bancos de sementes”, finalizou.

Essa necessidade foi reforçada também pelo indigenista aposentado da Funai, Fernando Schiavini, que atua em parceria com a Embrapa no desenvolvimento de ações de conservação de recursos genéticos participativas com o povo indígena Krahô, do Tocantins, e outras etnias. Segundo ele, muitas vezes é penoso para os índios plantar o material genético recebido da Embrapa, exige esforço de adaptação. O que por um lado foi bom, já que a dificuldade em reproduzir e multiplicar as sementes recebidas resultou na criação das feiras de sementes, eventos em que compartilham experiências e conhecimentos com outros povos.

Novas abordagens na avaliação dos recursos genéticos conservados

O pesquisador da UNESP de Botucatu, SP, Edvaldo Silva, apresentou novos protocolos desenvolvidos pela Universidade em parceria com outras instituições de pesquisa e ensino, entre as quais a Embrapa, para aprimorar o armazenamento de sementes sensíveis à dissecação. Tratam-se de técnicas modernas que envolvem extração de RNA e seleção de marcadores moleculares voltadas ao estudo da relação entre maturação e longevidade, principalmente, de espécies nativas dos biomas brasileiros. Silva destacou o desenvolvimento de um software bilíngue para avaliação da longevidade de sementes.

Genômica aplicada a bancos genéticos

O pesquisador Dario Grattapaglia apresentou os benefícios dos estudos genômicos para conservação de recursos genéticos. Segundo ele, essas técnicas são economicamente viáveis no contexto atual e podem contribuir muito para aprimorar a seleção de espécies a serem conservadas. Dario ressaltou que a genotipagem pode ser especialmente importante para a formação de coleções nucleares, ou “core collections”, cuja importância foi enfatizada também pelo professor da ESALQ/USP, José Baldin por representarem o máximo de diversidade genética de uma espécie e de seus  parentes silvestres com o mínimo de repetição.

Mudanças climáticas e os impactos na conservação de recursos genéticos

O pesquisador da Embrapa Cerrados, Fernando Antônio Macena, apresentou o panorama nada positivo das mudanças climáticas, especialmente no que se refere ao aquecimento solar na agricultura da América do Sul. Os estudos realizados pela Unidade em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE e outras instiituições mostram que algumas áreas produtoras de cultivos agrícolas de importância para o Brasil, como café, feijão e arroz, entre outras, podem diminuir de 73 a 88% até 2050.

Mesmo que possa haver erros nessas previsões, Macena enfatiza que é fundamental que o Brasil invista de forma contundente em programas de melhoramento genético para desenvolver espécies com capacidade de produzir em face aos desafios climáticos, que incluem aquecimento, alteração na distribuição de chuvas, aumento na frequência de veranicos e até perda de polinizadores, entre outros. O pesquisador lembrou ainda que esses programas devem ser multidisciplinares.

Conservação de insetos e serviços do ecossistema

O pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia Edison Sujii apresentou a importância dos insetos para o funcionamento dos ecossistemas. “Assim como as plantas, trata-se de recursos genéticos valiosos, que também precisam ser conservados”, destacou.

Além dos produtos já conhecidos por grande parte da população, como mel, cera e seda, entre outros, o pesquisador afirmou que os insetos desempenham funções ecológicas essenciais para a sobrevivência dos ecossistemas, como a polinização, dispersão de sementes e controle biológico.

No caso dos insetos de solo, atuam também na decomposição e reciclagem de nutrientes. Sem falar que são fontes de alimentos para diversos animais, como morcegos, sapos etc. De acordo com dados divulgados pela revista científica Bioscience em 2016, somente nos Estados Unidos, o valor econômico dos insetos está estimado em US$ 57 bilhões por ano.

O pesquisador explicou ainda que a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia investe na caracterização e conservação de insetos da fauna brasileira por meio de coleções entomológicas, além de pesquisar sistematicamente formas de controle biológico e manejo integrado de insetos-praga.

Fonte: Embrapa