“O que eu fiz?” Ex-fazendeiro fala sobre a realidade de matar animais como meio de vida

Não é frequente ouvir o diálogo interno de alguém diretamente envolvido com a criação e a morte de animais, por isso foi tão importante quando Bob Comis divulgou trechos de seu diário.
Por Cesar Galeano
Desgostoso pela forma pela qual os animais nas fazendas de criação são tratados, Bob chegou à decisão de que a única maneira de comer carne sem sentir a consciência pesada seria ele mesmo criar e matar os animais.
Bob fez de tudo para oferecer aos porcos a melhor vida possível, esperando que a criação em liberdade seria uma solução para a falta de ética no interior das fazendas de criação. Entretanto, suas reflexões e a consequente decisão de tornar-se vegano revela que a realidade por trás da “criação humanizada” não é exatamente o que as indústrias querem nos fazer acreditar.
Uma sociedade condicionada a ignorar os próprios sentimentos
Desde crianças somos condicionados a ignorar nossos sentimentos e seguir adiante sem olhar para trás. Os homens emotivos são classificados como fracos e as mulheres como irracionais, e o desapego emocional é um sinal de força e confiabilidade.
Esse é um importante componente da nossa psique quando se trata da criação de animais. Uma das razões pelas quais o veganismo e o vegetarianismo são ainda tão marginalizados em nossa sociedade é o fato de serem percebidos como uma “tola reação emocional” diante de algo que é “normal” e “natural”.
A realidade é que a única razão pela qual a grande maioria das pessoas continua a fazer parte de um sistema inerentemente cruel que depende da matança de outros seres sencientes, é porque fomos condicionados a ignorar nossas emoções naturais. No século XXI nunca encontramos com os animais que são mortos para que os comamos. Nós pagamos outras pessoas para fazerem isso por trás de portas fechadas.
Então o que se passa de fato na mente de uma pessoa que é confrontada dia a dia com a criação e a morte de animais?
“Hoje de manhã, enquanto via pela janela um pasto cheio de carneiros saltitantes, tive um forte sentimento de que deve ser errado comer carne e que devo ser uma pessoa muito má por matar animais como profissão”.
Esse foi apenas um dos muitos registros no diário ao longo dos 10 anos em que Bob trabalhou como criador de animais, mas com certeza representa a dimensão da luta emocional que enfrentava em seu dia a dia.
Uma crise de consciência evitada pela certeza de um trabalho bem feito
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Bob explica em detalhes em um artigo recente como ficava profundamente impactado ao matar os porcos, mas como bloqueava as emoções e seguia fazendo o trabalho na crença de que estava realizando uma coisa boa:
“E, por cerca de 10 anos, resolvi as mais graves crises de consciência com uma racionalização satisfatória”.
“Eu os tinha visto sendo cortados em pedaços, mas quando abri aquelas caixas e vi aquele emaranhado de corações macios e línguas ensanguentadas fiquei física e emocionalmente abalado. Foi como se tivesse levado um soco no estômago. De súbito, pelo filtro da emoção crua, me senti como um assassino a sangue-frio acordando para a realidade do que havia feito. Quase vomitei”.
Esse é o tipo de experiência que a maioria dos carnívoros nunca têm. Ninguém jamais vê a vida sendo apagada nos olhos dos animais, ninguém escuta seus gritos e ninguém sente o cheiro de seus corpos durante o esquartejamento.
Bob, que ficou profundamente envolvido no processo por uma década, conseguiu apenas esconder seus verdadeiros sentimentos por tanto tempo. Mas o processo de dessensibilização que usou para reprimir suas emoções verdadeiras foi poderoso o bastante para ultrapassar até mesmo essa experiência.
Então pensou: “O que eu fiz?”
“Continuei a fazer essa mesma pergunta muitas vezes enquanto trabalhava. Mas estava longe como nunca de solucionar a crise de consciência. Estava vacilando”.
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Então uma cliente entrou na loja, olhou nos olhos de Bob e disse: “Muito obrigada pelo que você faz.”
“O agradecimento da jovem foi tão honesto que me estabilizou. Parei de vacilar. Tinha a minha resposta. O que fiz, fiz por ela. Tinha lhe dado uma oportunidade, uma alternativa, uma maneira de não utilizar os sistemas industriais de morte e das fábricas de criação. Também tinha oferecido aos porcos vidas incrivelmente ricas e garantido que tinham sido mortos de modo rápido e sem sofrimento. Nutri aquela jovem mulher: corpo e alma. Ter sido lembrado por ela do que fiz nutriu minha própria alma”.
“A poderosa resolução para aquela crise quase insuperável teve um efeito duradouro. Pelos próximos anos criei porcos para “abate” sem outra séria crise de consciência. Permaneci focado em oferecer aos porcos a melhor vida e morte que me era possível. À medida que progredia como um criador de porcos bem sucedido, fiquei orgulhoso do que tinha feito”.
Longe da vista, longe do coração: ainda assim uma realidade
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Quando compramos produtos de origem animal, não estamos apenas tirando as vidas dos animais, estamos pedindo aos seres humanos que ajam contra seus instintos naturais e reprimam suas emoções de maneira que possamos continuar a viver nossas vidas sem as imagens, os cheiros e os sons dos matadouros diante de nossas consciências.
Se cada pessoa tivesse de matar e processar os animais que come em cada refeição, o trauma emocional que isso causaria seria o suficiente para tirar da mente das pessoas quase instantaneamente a ideia de que é ético matar outro ser por causa de uma refeição
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