Entenda como a alta do dólar prejudica a vida de cada um de nós

Para algumas pessoas, a ideia de que variáveis macroeconômicas impactam diretamente sua vida parece uma ideia distante, pouco realista.
Sim, você pode achar absurdo que a definição dos juros da economia afete o seu dia a dia (afinal, as taxas que você paga são sempre maiores que a tal SELIC, não é mesmo?), pode também achar que o dólar é algo que afetará apenas seus planos futuros de conhecer o Mickey em Orlando, ou ainda, que o crescimento do PIB não significa muita coisa – afinal, você tem um emprego e consome como antes, não? Os brasileiros em geral tendem a reconhecer apenas um perigo quando falamos de índices macro: a velha inflação.
Pois é, todo mundo sabe dizer como a inflação impacta sua vida. Você vai ao supermercado e lá está aquela sensação de que a cada dia você compra menos com mais. A percepção de que algumas variáveis são grandes e complexas demais para de fato impactarem seu bolso é compreensível. Ainda mais quando vemos na televisão ou nos jornais inúmeros economistas bradando sobre os benefícios de ter um dólar mais caro em relação ao real. “A indústria agradece”, eles dizem. “O setor agrícola vai exportar mais”. “Ficaremos todos mais ricos”.
Possivelmente você está se perguntando – “como é possível que todos possamos ficar mais ricos quando nossa moeda vale menos, quando temos um menor poder de compra?”.
Não são raros os economistas preocupados em vender e exportar mais, nem que isso signifique menos consumo dos cidadãos. A ideia por trás desta teoria é a de que o dólar elevado e o real desvalorizado servem como um agente para ampliar a produtividade do país.
Em um mundo onde tarifas de importação não podem ser elevadas livremente por conta de acordos comerciais, o dólar e os impostos internos serviriam como um protetor da indústria nacional.
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E é justamente neste aspecto do mundo globalizado que o dólar mais impacta a sua vida. Imagine que uma empresa como a JBS – sim, aquela mesmo daquele ator que vive pulando de açougue em açougue na televisão – tenha o direito de escolher entre vender no mercado brasileiro ou exportar com dólar a R$ 4 e ganhar pela mesma quantidade produzida o dobro do que ganharia vendendo com o dólar a R$ 2.
Parece claro que ela preferirá exportar, reduzindo a quantidade ofertada no mercado nacional. A consequência? Menos carne à venda no Brasil sem queda na demanda – ou seja: preços maiores.
Os efeitos do dólar, entretanto, vão bem além disso. Inúmeros produtos têm seus preços determinados em dólar, pois possuem características comuns em todos os locais onde são produzidos e podem ser trocados ao redor do mundo sem grandes problemas. Estes bens, chamados de commodities, são cotados nas bolsas de valores por todo mundo – como a Bolsa de Chicago, a Bolsa de Londres ou a Bolsa de Mercadorias e Futuros no Brasil. Você pode produzir café na Bolívia e vender pela cotação na bolsa brasileira.
preço da carneIsto significa que o mundo inteiro determina os preços baseados em fatores alheios à realidade econômica de cada país, mais centrados na sua capacidade de produzir. Se uma seca atinge a Austrália, por exemplo, o preço do trigo dispara. Uma menor oferta e a mesma demanda? Eleva-se o preço.
Dentre os bens e produtos cotados em dólar que afetam diretamente seu dia a dia, o trigo é provavelmente o principal. O Brasil produz atualmente 5 milhões de toneladas e consome 11,5 milhões. Estes 6,5 milhões, portanto, que servem para produzir pães, massas e biscoitos, são comprados do exterior, em dólar. Uma tonelada deste trigo hoje é vendida a US$ 250.
Agora imagine que 1 dólar esteja cotado a R$ 2, e depois faça a mesma conta com o dólar a R$ 4 e – voilá! – o preço dobrou e a quantidade é a mesma. Agora repita esta operação para boa parte dos alimentos que você consome e o impacto ganha um rosto visível. Depois disso, lembre-se que o combustível vendido pela Petrobras, e que serve para transportar qualquer dos bens que você consome, também é cotado em dólar.
A alta do dólar, porém, não lhe afeta apenas de forma direta. Inúmeros fatores de médio e longo prazo pesarão no seu bolso. Imagine que você é um empresário e quer ampliar a sua produtividade. Comprar aquela máquina alemã que produz o dobro na metade do tempo ficará agora mais caro, talvez inviável. Você certamente terá de repensar seus custos e, quem sabe, deixar de investir. O mesmo acontece com empresas que captam dinheiro no exterior.
Como já mencionamos antes, o fato dos juros no exterior serem de 4% ao ano faz com que inúmeras empresas prefiram se endividar em dólar e investir no Brasil, algo que fica inviável com o real desvalorizado, pois os custos da dívida crescem. No médio prazo, com milhares de empresas tomando o mesmo caminho, a produtividade da economia sofre um duro impacto. Como seu salário está invariavelmente ligado à produtividade, você já deve ter entendido neste ponto do texto que pagará por essa conta.
Por parte do governo, os custos são claros. Boa parte da nossa dívida, apesar de vendida em reais, tem investidores estrangeiros como compradores. Desta forma, com o real desvalorizado, fica mais atraente investir nos Estados Unidos, e não aqui. Com a instabilidade decorrente da alta, o chamado “risco Brasil” cresce, e com ele os juros necessários para que o governo e as empresas paguem ao se endividar no exterior.
Com o custo da dívida em alta, você verá com maior frequência o ministro da Fazenda na TV anunciando novos cortes para tentar “equilibrar as contas”, entre uma propaganda e outra dos comerciais nos açougues. Claro, o impacto será em boa parte lento e gradual – você dificilmente sentirá isso abruptamente no seu dia a dia, e quando sentir, provavelmente não associará uma coisa a outra.
Mas então, qual o preço ideal do dólar? Em teoria, deveria ser aquele que equilibra oferta e demanda – que permitisse a você conhecer o Mickey, comprar aquele PS4 que trabalhou para ter e ainda possibilitasse as empresas brasileiras a ampliarem suas produtividades e oferecerem bens e serviços por um preço justo.
Esse é o cenário ideal.
Exceto se você for um empresário ligado à FIESP e estiver interessado em lucrar com o fato do Brasil ser o país que menos pratica comércio exterior no mundo. Neste caso, ter um mercado cativo é bom para você – e quanto à alta do dólar, o céu é o limite!
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GRUDABEM