A ESCALADA DO CONTRABANDO

Funcionários usam gruas para checar mercadorias no depósito da Receita Federal em São Paulo

Funcionários usam gruas para checar mercadorias no depósito da Receita Federal em São Paulo (Eduardo Knapp/Folhapress)

A ESCALADA DO CONTRABANDO
Comércio ilegal sofistica sua logística e se expande prejudicando a indústria, os cofres públicos, o bolso e até a saúde do consumidor

Capítulo 1
Uma Muralha da China por ano
Mercado ilegal cresce no país em plena crise de segurança
Apreensão bate recorde, mas novas rotas clandestinas surgem para driblar a repressão

Caixas de cigarros contrabandeados, apreendidos e levado ao galpão da Receita (Eduardo Knapp/Folhapress)

Caixas de cigarros contrabandeados, apreendidos e levado ao galpão da Receita (Eduardo Knapp/Folhapress)

Claudia Rolli
SÃO PAULO
A apreensão de contrabando no Brasil foi recorde em 2017: a Receita Federal resgatou R$ 2,3 bilhões em produtos irregulares. É o maior valor desde 2010, e representa crescimento de quase 10% em relação a 2016.

Na estimativa da indústria, as perdas para o mercado paralelo saltaram de R$ 89,3 bilhões em 2016 para R$ 100,2 bilhões no ano passado.

Na lista de itens confiscados há de cabelos a aeronaves, de inseticidas a máquinas caça-níqueis, de pneus para trator a videogames.

No topo do ranking está o cigarro, com 221 milhões de maços recolhidos. Se colocados em linha reta, alcançariam 26,5 mil quilômetros de comprimento. Mais do que a extensão da Muralha da China (21,2 mil quilômetros).

Em valor, o cigarro também lidera: representou quase metade (R$ 1,08 bilhão) dos produtos apreendidos.

O volume de drogas confiscadas por fisco e a PRF (Polícia Rodoviária Federal) também cresceu: 47,5 toneladas, 122,4% a mais que em 2016.

Já a PRF apreendeu 354,3 toneladas de drogas e efetuou mais prisões, sendo 38.339 pessoas envolvidas em contrabando, um aumento de 21% sobre 2016.

Um terço de todo o material recolhido no país se concentrou na região de Foz de Iguaçu (PR), onde ocorreram 1.513 ações da Receita e operações integradas com as polícias Federal e Rodoviária.

A área é uma das principais portas de entrada de armas, drogas, cigarros fabricados no Paraguai e de mercadorias trazidas da China para o Brasil por estradas ou barcos, por meio do lago Itaipu e do rio Paraná, em pontos próximos à Ponte da Amizade.

Por região, as apreensões se destacam em São Paulo (22%), Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (20%).

CRIME QUE COMPENSA

Pela lei, o contrabando prevê pena de dois a cinco anos de prisão, e o descaminho, um a quatro anos. São crimes considerados “brandos” perto do tráfico de drogas, com pena de até 15 anos.

“O crime organizado vai ocupando o espaço que o Estado deixa. A situação do Rio é um exemplo”, diz Edson Vismona, presidente do Fórum Nacional contra a Pirataria e a Ilegalidade.

“O contrabando financia o tráfico de armas e drogas e grupos ligados ao terrorismo, que encontram no comércio ilegal de cigarros uma fonte lucrativa de renda. O dinheiro do contrabando e do tráfico está no mesmo caixa”, afirma.

Faltam recursos para enfrentar o contrabando. Nos últimos dois anos, em função da crise fiscal do governo, o orçamento foi reduzido: dos R$ 118 milhões previstos para a Receita, R$ 85 milhões entraram de fato no caixa.

Hoje, 2.601 homens atuam no controle aduaneiro e na repressão em portos, aeroportos e pontos terrestres, segundo o Sindireceita (sindicato dos analistas tributários). Desses, só 521 são responsáveis por vigiar 16,8 mil quilômetros de fronteira terrestre.

A Receita tenta contornar essa dificuldade investindo em sistemas de inteligência para tentar chegar aos que comandam esses crimes.

Um caminho é identificar empresas “noteiras”, criadas para emitir notas frias das mercadorias que passeiam pelo país e são usadas em lavagem de dinheiro.

ACÕES CONJUNTAS

Parcerias com vizinhos estão no foco das ações de repressão deste ano. O Programa de Proteção Integrada das Fronteiras coordena operações entre órgãos e reforça a fiscalização nas divisas de Mato Grosso e Bolívia, Mato Grosso do Sul e Paraguai e Amazônia, Peru e Colômbia.

Mas quando a vigilância em uma área aumenta, as ações migram para outra.

“Trancamos Foz e a entrada de mercadorias cresceu nas rotas de Mato Grosso. Apertarmos a fiscalização nessa região e os criminosos vão rumando para o Norte”, diz Arthur Cezar Rocha Cazella, coordenador-geral de combate ao contrabando e descaminho da Receita.

Especialistas chamam atenção para portos que passaram a escoar mais muamba para cá: Montevideo, no Uruguai, e Iquique, no Chile.

No Norte do Brasil, um convênio entre Receita e Marinha prevê a criação de uma base flutuante no rio Solimões (PA) para enfrentar o contrabando e a ação de barcos “piratas” que atacam o transporte de carga pelos rios da floresta. Ainda falta a verba.

No Sudeste, o foco será o Rio de Janeiro, onde os dois órgãos também planejam ações em conjunto.

NOVA SEGURANÇA

O recém-criado Ministério Extraordinário da Segurança Pública terá impacto no combate ao contrabando?

Sim, avalia o advogado Márcio Costa Menezes e Gonçalves, ex-secretário do Conselho Nacional de Combate à Pirataria, do Ministério da Justiça. “Combater drogas e armas é combater o contrabando”, diz ele, que espera mais integração e eficácia nas ações contra o crime.

Já o tributarista Miguel Silva não vê efeitos em curto prazo na redução do comércio ilegal. “Não é tarefa fácil para o Estado, ante o atual aparato disponível, com falta de estrutura nas fronteiras, vigilância precária nas estradas e ausência de penalidades mais severas”, afirma.

Na análise do fisco, a orientação aos servidores permanece a mesma. “Continuamos a trabalhar em parceria com a PF, independentemente a quem ela esteja ligada.”
Folha