Política agrícola do Brasil é ultrapassada e excludente, afirma especialista

O professor da FGV Ademiro Vian contou durante sua palestra no Fórum Soja Brasil, quais mudanças o governo deveria fazer para ajudar o setor

Daniel Popov, de São Paulo
“Não temos uma política agrícola, mas sim um emaranhado de linhas de crédito”. Com esta frase o professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Ademiro Vian resumiu o que considera um dos gargalos atuais do setor. Durante sua palestra, que aconteceu no Fórum Soja Brasil, em Não-Me-Toque (RS), nesta quinta, dia 8, o especialista destacou que o governo deveria se dedicar a oferecer um seguro adequado e melhores métodos de comercialização, como nos Estados Unidos.

Vian iniciou sua palestra alertando os produtores que as políticas agrícolas atuais são ineficientes para o momento atual do setor e do país. Opinião bem diferente da apresentada pelo secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Neri Geller, durante sua explanação, no primeiro painel.

“Focando no crédito, nossa política é excludente. Para que a política pública seja eficiente, ela precisa ser universal, ou seja, estar a disposição para 100% do setor ou para a grande maioria. A atual atende no máximo 18% dos produtores brasileiros. É uma política regionalizada, que atende apenas algumas commodities, que está mais preocupada com o setor financeiro do que o produtivo”, destacou o professor.

Ademiro Vian durante sua palestra

Segundo ele, o Brasil ainda se baseia em uma política agrícola desenhada na década de 1970, que nada mais pode acrescentar nos dias de hoje. Ele lembra que, na época, o Brasil tinha uma população de 70 milhões de brasileiros, mais ou menos, e a agricultura era composta por três commodities: café, cana e madeira, centralizada no Sul e Sudeste, com um pouco no Nordeste.

“O foco era no crédito, e os idealizadores achavam isso fundamental para o desenvolvimento do Brasil e do setor. O dinheiro vinha dos muitos bancos existentes, mais de 400. Tinha muito banco ofertando crédito e poucos produtores para captar”, relembra Vian.

Para mostrar que sua ideia faz sentido, ele compara a época do início da política agrícola com os dias atuais. “Hoje, a população está em mais de 200 milhões, com produção de 230 milhões de toneladas, e a agricultura está presente em todo o país. Já a oferta do crédito diminuiu muito, com pouquíssimos bancos, que passaram a focar em alternativas de investimentos. Aquele crédito rural das décadas passadas já não existe mais, e muito menos áreas exclusivas dentro dos bancos para isso”, conta.

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O professor da FGV explica que manter essa política agrícola ultrapassada vai na contramão da expansão da agricultura e que aquele pilar de crédito bancário se resume hoje a 18% do mercado. “Das mais de 5 milhões de propriedades existentes, apenas 18% acessam as linhas de crédito. E, normalmente, são grandes propriedades que nem precisam tanto assim deste crédito”, comenta.

A crítica do especialista não para por aí. Para ele, os bancos só oferecem crédito para pessoas jurídicas, cobram garantias absurdas para os pequenos e atendem apenas algumas commodities. “Sem falar na burocracia, vendas casadas e garantias impossíveis de se cumprir”, diz. “A prova é que os bancos não têm metas para vender crédito rural, por isso o Pronaf foi praticamente banido dos bancos privados.”

Ele defende que o governo deve criar uma nova política agrícola sem dar foco ao crédito, que segundo ele, deveria ser destinado aos agricultores familiares. “Não temos uma política agrícola, mas sim um emaranhado de linhas de crédito. O produtor não pode ficar dependente desse sistema financeiro. O governo precisa entrar nessa questão de uma única maneira: com seguro e garantia de comercialização. Exatamente como faz o governo americano. Até porque eles nunca irão convencer os bancos a cederem crédito”, afirma.

Vian acredita que não basta dar uma garantia de preço ao produtor, mas sim fazer uma política nacional mais adequada. Assim, quando tiver algum problema com o preço de venda do produtor, o governo entraria subsidiando esse valor. “Aqui já temos o PEP e o Pepro, mas elas precisam ser aprimoradas e estendidas para todos os produtos importantes para a pauta de exportação do país”, garante ele.

Já o pequeno produtor, familiar, esse sim precisa continuar a ter acesso ao crédito e ajudas com comercialização e seguro. “O produtor familiar é muito importante para o sistema. E ajuda a alavancar o setor”, finaliza ele. “O governo precisa começar a pensar uma nova política agrícola. Não adianta adaptar, como está sendo feito.”

Aprosoja apoia mudanças na política agrícola

Fabrício Rosa defende mudanças na política agrícola brasileira

Para o diretor executivo da Aprosoja Brasil, Fabrícia Rosa, o governo foca muito na questão do crédito e dos juros ao produtor, enquanto o mundo todo já volta suas atenções para a garantia de renda.

“Concordo com o Ademiro. O Mapa até tenta nos ajudar, mas ainda não está bom. O pequeno produtor só consegue uma parte com verba dos bancos, o resto ele pega no mercado. Produtores maiores, captam direto no mercado internacional, acham melhor. Focar o crédito rural pensando nos juros é uma visão limitada. Isso não é pensar no longo prazo”, diz o executivo.

Deputado também concorda com especialista

O deputado federal, Luis Carlos Heinze apoia as mudanças na política agrícola

Também presente durante o debate, o deputado federal, Luis Carlos Heinze, concordou com a opinião de Vian e acrescentou que a questão da garantia de renda mínima, para culturas como o trigo e o arroz, é ainda mais urgente. “A soja não precisa disso. Mas outras culturas sofrem uma concorrência desleal com o Mercosul. Precisamos garantir a renda para os produtores dessas culturas, e o governo precisa intervir logo”, diz Heinze.

Opinião do Ministério da Agricultura

Neri Geller defende as medidas adotadas pelo governo e promete mais mudanças

Após as explanações de Vian e Heinze, o secretário de Política Agrícola do Mapa, Neri Geller, ressaltou que os programas brasileiros são bons e as melhorias esbarram na falta de verba do governo federal.

“Nós temos vários programas para ajudar o setor. Disponibilizamos mais de R$ 192 bilhões para programas específicos, como a armazenagem, com até 15 anos de prazo para pagamento e 3 anos de carência. Se isso não é visão estratégica, não sei o que é”, diz Geller.

Segundo ele, baixar os juros ainda é muito difícil, devido ao baixo orçamento do governo atual. “Mas, colocamos a subvenção de R$ 400 milhões. Aumentamos o número de apólices de 42 mil para 78 mil apólices e o valor segurado passou de R$ 5 bilhões, para quase R$ 15 bilhões. Isso foi difícil conseguir”, reitera ele.

Por fim o secretário garantiu que apesar dos problemas e dificuldades o governo continuará tentando ajudar o setor que mantém o PIB brasileiro no azul. “Vamos trabalhar para baixar as taxas de juros, mas isso deve ser limitado. E temos ainda outros assuntos mais importantes que devem ser tratados como a renda e a questão do Mercosul”, finaliza.
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