A febre dos ‘naming rights’: por que empresas gastam milhões para dar nomes a estádios e casas de show

Estratégia já existe há décadas, como mostra o clássico Credicard Hall, em São Paulo. Mas a chegada do dinheiro novo das ‘bets’ e o retorno de grandes eventos trouxeram uma explosão de contratos nos últimos anos. Especialistas dizem que o mercado brasileiro ainda é embrionário e tem muito espaço para crescer.

Por André Catto, g1

Estádios, teatros, casas de shows, cinemas, times de futebol e até estações de metrô. Os naming rights não são novidade, mas viraram “febre” no marketing brasileiro nos últimos anos.

Em português, o termo significa “direitos de nome”. E, em nome de expandir sua marca para um público específico, as empresas compram o direito de rebatizar um local, equipamento ou espaço.

Foi assim que, anos atrás, nasceu o icônico Credicard Hall, em São Paulo. Esse é provavelmente o primeiro caso de grande sucesso no país — tanto que a distribuidora Vibra ainda se desdobra para que a casa de shows seja reconhecida pelo novo nome Vibra São Paulo. De lá para cá, são muitos os exemplos.

Foi com a venda de naming rights que o Parque Antarctica virou Allianz Parque. O Itaquerão se transformou em Neo Química Arena. E, agora, os dois últimos estádios da capital paulista também ganharam nomes de marca: o Estádio do Morumbi agora é MorumBIS, e o tradicional Estádio do Pacaembu passou a se chamar Mercado Livre Arena Pacaembu.

Cada contrato possui regras específicas, incluindo duração, contrapartidas e prazos de pagamento. Além de, claro, determinar algumas dezenas (ou centenas) de milhões de reais para transformar o nome de um local icônico. Mas vale a pena?

De acordo com especialistas ouvidos pelo g1, as empresas costumam levar em conta fatores como características do local, fluxo de pessoas, contexto histórico e potencial de negócio. Os objetivos variam, mas costumam ter em comum o desejo da empresa de ampliar o reconhecimento de suas marcas ou “bombar” um lançamento.

Nesta reportagem, você vai entender:

  • Por que empresas optam por naming rights?
  • Foco no esporte e no entretenimento
  • Estratégia ainda é embrionária no Brasil
  • Futebol: a influência das ‘bets’ sobre o mercado
  • O objetivo é o nome da marca ‘pegar’?
  • Como os prazos e valores são determinados — e quais os riscos?
  • Pacaembu: o maior contrato de naming rights do país
  • O que explica o tamanho do acordo — e como o dinheiro será usado
Contratos de naming rights em estádios brasileiros. — Foto: Kayan Albertin/Editoria de Arte g1

Contratos de naming rights em estádios brasileiros. — Foto: Kayan Albertin/Editoria de Arte g1

Por que empresas optam por naming rights?

A visibilidade da marca é um dos principais benefícios dos acordos. Mas os verdadeiros impactos da ação decorrem de uma série de outros elementos que compõem a estratégia, explicam especialistas em marketing de negócios ouvidos pelo g1.

“Nas negociações de naming rights, também pode ficar acordado que, dentro daquele local, a empresa possa colocar suas lojas, pontos de vendas ou operações, em uma ação que vai muito além de dar nome ao espaço”, explica o especialista em marketing Idel Halfen.

É o que exigem os últimos grandes contratos divulgados no país. Além de rebatizar os estádios, as empresas compraram o direito de operar suas marcas dentro dos espaços, criando um ecossistema de contato direto com o público. (entenda mais abaixo)

A Mondelēz, dona da marca de chocolates BIS, por exemplo, fechou um acordo com o São Paulo Futebol Clube que inclui a venda dos produtos no estádio e a criação de um ambiente “voltado para experiências”, com a renomeação de setores internos do espaço.

“Isso tudo vai permitir, pelos próximos três anos, ações que vão gerar ‘awareness’ [reconhecimento da marca], que vão se conectar com o consumidor e também ganhar novos compradores”, afirma Fabiola Menezes, diretora de marketing de chocolates da Mondelēz Brasil.

A compra dos naming rights do estádio é o maior investimento de comunicação já feito na história da marca BIS, e pretende ampliar a capacidade produtiva para expandir a presença da marca nos pontos de venda pelo Brasil. O acordo é de R$ 75 milhões em três anos — uma média anual de R$ 25 milhões.

Há acordos menores no país, como o do Estádio Mané Garrincha, em Brasília, que fechou naming rights de R$ 7,5 milhões para se chamar Arena BRB por três anos, a partir de 2022.

E também há gigantes, a exemplo do próprio Pacaembu, que assinou em 2024 contrato de mais de R$ 1 bilhão com o Mercado Livre para naming rights de 30 anos — o maior já registrado no Brasil.

De acordo com especialistas, é importante para uma estratégia de impacto em naming rights que a exposição das marcas seja feita de forma continuada. Por isso, os períodos são mais longos, chegando a anos. Só assim é possível fortalecer a relação com o público que frequenta aquele espaço e gerar uma aproximação com o cliente.

Foco no esporte e no entretenimento

A premissa básica dos naming rights é a aplicação em locais com grande fluxo de pessoas, de preferência do perfil de consumidor que a aquela empresa pretende atingir. Mas o tempo mostrou que o modelo está muito mais “adaptado” aos equipamentos de esportes e entretenimento, como estádios, casas de shows e teatros.

Isso não acontece à toa. Em geral, são locais atrelados a momentos de alegria e descontração, onde as pessoas vivem histórias com envolvimento emocional e formam lembranças, o que ajuda a criar uma conexão com as marcas.

“Quando vamos a um show ou a um jogo, existe ali um ambiente mágico, em que você está bem aberto a sensações e emoções. Por isso é tão especial se associar a um equipamento desse tipo”, afirma Fernando Trevisan, especialista em gestão e marketing esportivo da Trevisan Escola de Negócios.

Estratégia ainda é embrionária no Brasil

Apesar do crescimento notável dos contratos de naming rights no país, a exploração dessa ação de marketing ainda é muito baixa perto de outros mercados, como o norte-americano. É o que mostra um levantamento da agência Jambo Sport Business, feito com base nas principais ligas esportivas e revelado com exclusividade ao g1.

Na NBA, maior liga de basquete do mundo, por exemplo, 96,6% das arenas possuem naming rights. A única sem contrato é o Madison Square Garden, onde o New York Knicks manda os jogos. Por outro lado, na série A do campeonato brasileiro de futebol, a parcela é de apenas 31,6%.

Outras ligas americanas têm números muito próximos aos da NBA:

  • NHL, de hóquei: 93,8%
  • NFL, de futebol americano: 90%
  • MLS, de futebol: 82,8%
  • WNBA, de basquete feminino: 75%
  • MLB, de baseball: 70%

“Enquanto o Brasil ainda ‘engatinha’ no que tange às operações de naming rights, vemos os EUA bastante maduros”, diz o relatório.

O levantamento ainda mostra que, em território norte-americano, há predominância de empresas do mercado financeiro no uso de direitos de nome. De um total de 120 arenas analisadas, o segmento possui naming rights de 44%.

Em seguida, estão os setores automotivo (8,3%), de bens de consumo (6,4%), varejo (6,4%) e telecomunicações (5,5%). No Brasil, por outro lado, não foi destacada uma padronização.

O mercado consolidado lá fora também tem se mostrado uma oportunidade para empresas brasileiras. Nesse sentido, o banco Inter&Co anunciou, em janeiro deste ano, um acordo para nomear o estádio das equipes norte-americanas Orlando City SC e Orlando Pride para Inter&Co Stadium.

O banco brasileiro afirmou que o objetivo é “aumentar seu conhecimento da marca nos Estados Unidos“, em um empreendimento com planos que incluem tornar o estádio “palco de eventos culturais e musicais, com um primeiro show a ser realizado em 2024”.

Futebol: a influência das ‘bets’ sobre o mercado

O crescimento dos contratos de naming rights no Brasil não tem uma explicação única, mas há pistas que podem ajudar a entender o avanço desse modelo. Uma delas, tratando especificamente do futebol, é o aumento das publicidades pagas pelas “bets”, as casas de apostas digitais.

“Os custos de patrocínio nas camisas de times estão muito inflacionados devido à alta demanda das casas de apostas. Tem muita empresa querendo comprar espaço, o que impacta oferta e demanda — e faz esse valor subir”, afirma Fernando Trevisan.

Com contratos de patrocínio master das camisas acima de R$ 80 milhões — casos do Corinthians (R$ 120 milhões por ano) e Flamengo (R$ 85 milhões) —, os naming rights de curto prazo acabam se tornando mais vantajosos financeira e até estrategicamente, diz o especialista. Afinal, um acordo de naming rights pode ter um custo menor.

“Além disso, com a estratégia, a empresa dialoga não só com o torcedor daquele clube, mas também com todo o público que circula no estádio. Assim, o alcance vai além do futebol e do torcedor de um único time”, conclui.

Trevisan cita como exemplos recentes (de contratos mais curtos) o MorumBIS e a Casa de Apostas Arena Fonte Nova, na Bahia, que fecharam contratos de três e quatro anos, respectivamente, por valores menores que a camisa do Botafogo (R$ 55 milhões por ano).

Mondelēz, dona da marca de chocolates Bis, vai pagar R$ 75 milhões para nomear o Morumbi por três anos. — Foto: Divulgação/Mondelēz
Mondelēz, dona da marca de chocolates Bis, vai pagar R$ 75 milhões para nomear o Morumbi por três anos. — Foto: Divulgação/Mondelēz

O aumento recente dos acordos de naming rights no Brasil também pode ser justificado pelo avanço do mercado de entretenimento, com a retomada de shows e grandes eventos após a pandemia de Covid-19. “Pode ser ainda uma demonstração de que o setor de eventos vem se consolidando no país”, diz Trevisan.

O objetivo é o nome da marca ‘pegar’?
Casos icônicos, como o antigo Credicard Hall (hoje chamado Vibra São Paulo), levantam a questão: afinal, o nome vai realmente “pegar” para o público? E se o nome da marca não pegar? E mais: vale correr o risco de adquirir os naming rights de um local e, possivelmente, continuar sendo chamado pelo nome antigo?

Não há um padrão visto no mercado sobre esses pontos. Em geral, contratos mais longos tendem a fixar melhor o nome da marca àquele determinado espaço. Mas também depende do contexto do local: se ele já tem um nome forte ou não, se o público vai ou não aderir à mudança.

No caso dos estádios, as maiores oportunidades de fixação de nome estão nas novas arenas (aquelas recém-construídas, com nomes ainda não consolidados). É o caso da Arena MRV, do Atlético Mineiro, por exemplo, cujo nome já era usado antes mesmo de o estádio ficar pronto.

Ainda segundo analistas, estádios já existentes que passaram por grandes reformas também oferecem essa oportunidade, como o Allianz Parque, antigo Palestra Itália ou Parque Antarctica — que, inclusive, chamava-se assim porque a propriedade pertenceu à Companhia Antarctica Paulista, produtora de bebidas que, após uma fusão, deu origem à Ambev.

O especialista em marketing Fernando Trevisan explica que, no entanto, a busca unicamente pela fixação de nome tem mudado entre as empresas no Brasil.

“As marcas estão aproveitando os outros tipos de retorno que esses contratos permitem, com foco no relacionamento com o público”, diz, reforçando que o enfoque pode estar direcionado às experiências da marca dentro do local, e não necessariamente à tentativa de fazer o nome “pegar”.
Além disso, ele reforça que outras empresas têm demonstrado interesse na estratégia ao perceberem projetos de naming rights já em vigor estão se viabilizando e dando certo — incluindo os de curto prazo.

Como os prazos e valores são determinados — e quais os riscos?
O processo de escolha de valores e duração de contratos de naming rights também não costuma seguir um padrão definido. Os pontos levados em conta são as características do local, o fluxo de pessoas, o contexto histórico e o potencial de negócio — atributos que podem agregar mais ou menos valor à marca, de acordo com o objetivo que ela perseguir.

“O responsável pelo investimento também precisa prestar contas internamente, seja para o CEO ou para o conselho da empresa. Então, quanto mais embasada, mais aquela ação se justifica dentro da própria companhia que está investindo”, afirma o especialista em marketing Idel Halfen.
De acordo com o levantamento da agência Jambo Sport Business, que também é assinado por Halfen, é difícil estabelecer uma correlação entre as características das arenas ao valor pago pelas marcas.

“É mais provável admitir que, assim como ocorre na maioria dos exercícios de ‘valuation’ [atribuição de valor de mercado de empresas], o que pragmaticamente define o valor dos contratos é a intenção das partes envolvidas, o quanto se está disposto a pagar e a receber”, diz o estudo.

Além de atribuir valor, o “valuation” é uma espécie de levantamento que indica que elementos qualitativos como status e credibilidade influenciam no interesse das marcas. O valuation também é ponto central quando o assunto são os riscos para as partes em contratos de naming rights.

Um estádio, por exemplo, pode deixar de ganhar dinheiro ao fechar acordo por valores abaixo de seu potencial. Do outro lado, a marca pode perder ao superestimar o negócio e desembolsar mais do que terá de retorno futuramente.

Outro risco dos naming rights, dizem especialistas, é o envolvimento da empresa patrocinadora em algum escândalo que prejudique a sua imagem — e, consequentemente, a imagem do espaço nomeado.

Por fim, há ainda a possibilidade de a estratégia simplesmente não ser bem-sucedida, frustrando os recursos investidos. “Mas são riscos bem calculados perto da receita que os naming rights geram para um clube de futebol, um dono de estádio ou uma casa de show”, afirma Fernando Trevisan.

Pacaembu: o maior contrato de naming rights do país
A empresa de e-commerce Mercado Livre fechou um contrato de mais de R$ 1 bilhão com o Pacaembu. O novo nome do estádio, agora chamado Mercado Livre Arena Pacaembu, foi anunciado em janeiro deste ano, tornando-se o maior acordo de naming rights do país.

O negócio foi fechado com a Allegra Pacaembu, consórcio que venceu a licitação para assumir a gestão do complexo esportivo que era público por 35 anos, desde janeiro de 2020. A previsão é que a concessionária invista R$ 600 milhões no bem público tombado.

Assim como tem sido nos acordos de naming rights, a parceria prevê exposição de marcas, “amplo espaço de mídia e benefícios que envolvem o ecossistema de negócios do Mercado Livre”. Isso inclui a exploração de outras marcas da empresa, como Mercado Pago, MELI+ e Mercado Play.

Veja mais detalhes no vídeo abaixo:

Entenda o acordo de naming rights do estádio do Pacaembu

A previsão é que o complexo, projetado para ser entregue em junho deste ano, ofereça atividades e ativações com estrutura de hotel, galeria de arte, restaurantes, hub de inovação, arena de eSports, escritórios e centros de convenções e de medicina esportiva.

Já em dia de jogos oficiais, a ideia é que o complexo consiga atrair o público horas antes das partidas, com atividades que devem se estender também após o apito final, explica o CEO da Allegra Pacaembu, Eduardo Barella.

“A nossa visão como ativo imobiliário é de que o Pacaembu será um destino reconhecido não só em São Paulo, mas no país. A ideia é que quem vier para a cidade diga: ‘Preciso ir conhecer o Pacaembu porque lá está acontecendo muita coisa legal'”, afirma.
Eduardo Barella, CEO da Allegra Pacaembu, recebe a equipe do g1 na reta final das obras do novo complexo, que passou a se chamar Mercado Livre Arena Pacaembu. — Foto: Fábio Tito/g1
Eduardo Barella, CEO da Allegra Pacaembu, recebe a equipe do g1 na reta final das obras do novo complexo, que passou a se chamar Mercado Livre Arena Pacaembu. — Foto: Fábio Tito/g1

Há ainda outras frentes no Pacaembu fortemente apoiadas em ações de marketing. Entre elas, Barella destaca as lojas de dentro do complexo, que deverão seguir uma estratégia baseada não só na venda de produtos, mas principalmente na interatividade.

“Teremos uma loja que irá vender chuteiras, mas que o cliente poderá testar no campo, por exemplo. E tênis, que a pessoa poderá correr com ele na pista. Já outra loja trará atividades como corrida, aulas de yoga. Ou seja, queremos lojas com ativações”, exemplifica Barella, reforçando o foco nas ações de marketing para atrair o público ao complexo.
Segundo Iuri Maia, chefe de branding do Mercado Livre, o objetivo estratégico da empresa de e-commerce é construir um “legado”, criando “conexões duradouras” alinhadas ao “propósito” da marca.

“O acordo de naming rights do Mercado Livre Arena Pacaembu representa uma das maiores e principais estratégias da marca no Brasil atualmente”, ressalta o estrategista de marketing.
O que explica o tamanho do acordo — e como o dinheiro será usado
As negociações para o maior contrato de naming rights do país levaram cerca de sete meses. De acordo com Iuri Maia, do Mercado Livre, as tratativas foram embasadas em “estudos de alcance e frequência” do público-alvo da empresa, “visando posicionar a marca como top of mind [destaque entre consumidores] em um dos principais mercados do Brasil”.

“Negociamos a conexão também com o nosso ecossistema, destacando cada uma das nossas áreas de negócios nas ativações do complexo”, conta o estrategista.
Ele se refere à nomeação de espaços internos do Pacaembu (como ginásio, centros esportivos e camarotes), além da atuação da empresa em diferentes frentes de negócios — com operações envolvendo o Mercado Pago (plataforma de pagamento) e o Mercado Play (streaming), por exemplo.

Para o especialista em marketing Fernando Trevisan, o Pacaembu representa, de fato, uma “alternativa única” no país quando o assunto são naming rights. Isso porque se trata de um espaço com forte tradição, que, entre outros pontos, desperta memória afetiva em grande parte do público.

“O equipamento está no coração dos paulistanos. É super bem localizado, com fácil acesso. Tem uma história, uma tradição, além de uma parte tombada [reconhecida por seu valor histórico]. E é um local que propicia uma série de outras atividades além da prática esportiva”, diz.

“Então, é muito difícil replicar isso em outro espaço ou em outra estratégia”, conclui.
São características que, de certa forma, podem ajudar a explicar os valores mais elevados do contrato. Nesse sentido, o CEO da Allegra Pacaembu, Eduardo Barella, considera que os mais de R$ 1 bilhão extraídos dessa negociação estão “em linha com aquilo que era pretendido”.

“Esse valor tem que fazer frente ao custo da nossa operação, incluindo a zeladoria do complexo, e também ao serviço da dívida. Isso porque uma parte do dinheiro investido foi com base em dívidas já feitas — e que têm de ser pagas ao longo do tempo”, conclui.