Saiba como o fundador e autor do estatuto do PCC foi morto na prisão em SP

Mizael Aparecido da Silva, 41, o Miza, saiu da cela às 8h25 naquela terça-feira, 19 de fevereiro de 2002. Ele deu apenas uma volta no pátio do pavilhão 2 da Penitenciária 2 de Presidente Venceslau (SP) e depois se sentou no chão em frente ao xadrez de número 97.

Os outros prisioneiros foram saindo aos poucos das celas. Cinco deles fizeram uma roda em volta de Miza e o cumprimentaram. Deram inclusive tapinhas nas costas dele. Até então, a reverência dispensada ao líder do PCC era uma rotina. Mas, naquela manhã, os detentos agiram sorrateiramente.

Ricardo Alexandre Lúcio, o Gordo, se aproximou por trás do fundador do PCC e o imobilizou com uma corda no pescoço feita com pedaços de panos e de roupas, chamada de “teresa” na prisão. Mizael não teve chance de esboçar reação.

Outros quatro presos também se aproximaram dele, já caído, e passaram a espancá-lo com chutes e pontapés. Os agressores usaram um escovão para desferir golpes na cabeça de Mizael. Também deram várias estiletadas nele. O rosto do rival foi pisoteado no chão da quadra e ficou desfigurado.

Agentes penitenciários nada puderam fazer para evitar a crueldade. Segundo os funcionários, a ação foi muita rápida e durou aproximadamente três minutos. Mizael já estava morto. O rival Gordo foi o único dos cinco presos a assumir a autoria do crime.

Gordo alegou que havia descoberto um segredo de Mizael. Em depoimento à polícia, ele revelou que o fundador do PCC escondeu durante décadas, desde 1985, que fora processado e condenado por estupro, um crime não tolerado pela massa carcerária e passível de punição com a morte na prisão.

Segundo Gordo, Mizael ameaçou matá-lo, caso ele contasse o segredo para os demais presos. As intimidações do líder do PCC não surtiram efeito. Os outros presidiários comparsas de Gordo também foram avisados da condenação por estupro e ajudaram a matar o rival.

Em 13 de dezembro de 2005, Gordo foi levado a júri popular e acabou condenado a 18 anos e oito meses pelo assassinato de Mizael. A sentença foi lida pelo juiz Silas Silva Santos, da 1ª Vara de Presidente Venceslau. Os outros réus foram julgados separadamente e receberam a mesma pena.

Estatuto do PCC

Foi no anexo da Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté, chamada de “campo de concentração” pelos presos por causa das constantes torturas e maus-tratos, que Mizael escreveu o estatuto do PCC com 16 artigos e forte teor político. O documento foi criado entre o final de 1992 e meados de 1993.

No 13º artigo, ele pregava a união e organização dos presos para evitar um massacre semelhante ao que ocorreu em 2 de outubro de 1992, na Casa de Detenção de São Paulo, onde 111 prisioneiros foram mortos a tiros pela Polícia Militar. A carnificina teve repercussão mundial.

No 16º artigo, Mizael defendia uma coligação com o CV (Comando Vermelho), maior facção do Rio de Janeiro, e mencionava que as duas organizações unidas seriam o braço armado da população carcerária e o “terror dos poderosos, opressores e tiranos”.

Em meados dos anos 1990, Mizael foi transferido para prisões do Mato Grosso do Sul e do Paraná, junto com outros prisioneiros, e ajudou a espalhar a semente do PCC naqueles estados. Hoje, depois de São Paulo, os maiores redutos da facção criminosa são justamente os territórios sul-matogrossense e paranaense.

Para a Polícia Civil, a ordem para matar Mizael foi dada pela cúpula do PCC. Na ocasião, os líderes máximos ainda eram José Márcio Felício, o Geleião, também condenado por estupro, e César Augusto Roriz Silva, o Cesinha. À época, ambos eram os únicos fundadores ainda vivos da facção.

Cesinha foi assassinado por rivais em agosto de 2006 na Penitenciária 1 de Avaré (SP). Geleião morreu de covid-19, aos 60 anos, em maio de 2021, no Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário, no bairro do Carandiru, zona norte de São Paulo.

Logo após a morte de Mizael, o PCC viveu uma guerra interna e Marco Willians Herbas Camacho, 54, o Marcola, assumiu a liderança máxima da organização criminosa. Atualmente, ele cumpre pena de 342 anos de prisão na Penitenciária Federal de Porto Velho ( VOL)