RICARDO HAUSMANN EXPLICA POR QUE O CHAVISMO ESTÁ PERTO DO FIM

O economista venezuelano, professor de Harvard, diz que Maduro só se sustenta pelo controle do Exército e da polícia. Para ele, o autoproclamado presidente interino Juan Guaidó tem toda condição de mudar o país

11 PERGUNTAS PARA

1. É certo dizer que o chavismo, que começou com a eleição de Hugo Chávez em 1998, nunca esteve tão perto do fim? 
Acho que sim. E há várias razões para isso. A primeira é uma questão de falta de legitimidade. Nicolás Maduro (que chegou ao poder após a morte de Chávez, em 2013) não tem nenhuma legitimidade para estar no poder. Ele roubou eleições a que não deveria nem ter concorrido. A Constituição diz que o presidente do parlamento, no caso Juan Guaidó, deve assumir como governo interino em casos como esse e organizar novas eleições. Essa é a primeira questão contra o chavismo.

2. E no front econômico? 
A economia não poderia estar em situação mais desastrosa. O governo acabou de dar um aumento de 300% no salário mínimo. Agora o salário mínimo mensal vale US$ 6, o que é insuficiente para comprar dois ovos por dia. A questão econômica é a segunda força contra o chavismo. A terceira é a resposta popular. Os venezuelanos estão fazendo as maiores manifestações de rua de que se tem notícia. E elas não estão acontecendo somente em Caracas e nas grandes cidades, mas no país inteiro. O tamanho das manifestações da oposição fez até com que o círculo de Maduro tentasse enganar o público, passando na televisão manifestações pró-governo que aconteceram no passado como se estivessem acontecendo agora. Isso é um escândalo e prova que Maduro não tem mais a capacidade de mobilizar as pessoas.

As manifestações de rua contra o governo Maduro nunca foram tão grandes. Abaixo, Juan Guaidó participa de ato em Caracas no sábado dia 2 Foto: Marco Bello / Agência O Globo
As manifestações de rua contra o governo Maduro nunca foram tão grandes. Abaixo, Juan Guaidó participa de ato em Caracas no sábado dia 2 Foto: Marco Bello / Agência O Globo

3. Alguma outra vez o apoio internacional foi tão grande para a remoção de Maduro? 
Não. Na América Latina, vemos o México e o Uruguai tentando desempenhar um papel mais de árbitros do que de apoiadores. Mas os demais grandes países da América Latina, Estados Unidos, Canadá e a União Europeia são firmes ao dizer que Maduro não tem direito a exercer o poder. Todos reconheceram Guaidó como o presidente interino. Levando em conta a questão da falta de legitimidade política, o desastre da economia, o tamanho das manifestações e o apoio internacional, dá para dizer que as forças contra o chavismo nunca foram dessa magnitude. A única força que mantém Maduro no poder agora é o controle do Exército e da polícia. Em minha opinião, essa é uma base muito estreita para tentar manter o poder.PUBLICIDADE

4. O que o governo brasileiro deveria fazer para colocar mais pressão sobre Maduro? 
Antes de mais nada, é preciso reconhecer o papel e a liderança que o Brasil exerceu para montar essa coalizão internacional. Isso era o que o Brasil, um país com uma tradição de defesa da democracia e dos direitos humanos, já deveria ter feito há muito tempo. Os governantes deveriam ter notado a corrupção astronômica que reinava na Venezuela, algo de uma dimensão que faz a Lava Jato parecer coisa de criança. Na Presidência de Michel Temer e agora na de Jair Bolsonaro, o Brasil passou a ter um papel mais construtivo na defesa dos direitos universais.

5. O senhor voltará para a Venezuela após uma possível saída de Maduro do poder? 
Eu me sinto no exílio nos Estados Unidos. Há seis anos não consigo voltar para a Venezuela (em 2014, Maduro não gostou de críticas de Hausmann, o chamou de criminoso e o baniu do país). No momento em que Maduro sair, vou para Caracas, respirar o ar, ver as montanhas e conversar com pessoas que estou há anos impedido de ver.

6. O senhor está planejando se mudar para Caracas caso seja convidado a participar de um novo governo? 
Isso tudo é hipotético. Eu quero ter a liberdade de ir para a Venezuela na hora que eu quiser. Hoje não tenho isso. Posso ser útil para meu país vivendo nos Estados Unidos. Mas vou tomar essas decisões quando for oportuno.PUBLICIDADE

7. Com que frequência o senhor fala com Guaidó? 
Hoje em dia, há muita comunicação eletrônica e via grupos de WhatsApp. Tenho tentado ser o mais útil possível neste momento em que estamos vivendo uma situação inédita.

8. Guaidó sabe o que o espera no front econômico em caso de queda do regime chavista e os efeitos da Revolução Bolivariana? 
Aqui no Centro de Desenvolvimento Internacional da Universidade Harvard (do qual Hausmann é diretor) , tivemos um projeto sobre a Venezuela que durou três anos. Batizamos o projeto de A Manhã Seguinte e tentamos trabalhar com a Assembleia Nacional, o parlamento venezuelano. Em setembro do ano passado, recebemos em Harvard um grupo de 35 políticos da oposição. Uma das consequências desse encontro foi a aprovação de uma plataforma comum em dezembro. A plataforma foi chamada de Plano País — Uma Venezuela que Vem. Guaidó anunciou essa plataforma há poucos dias. Ela tem um mapa fantástico para transformar a realidade atual. O quadro é desafiador com a hiperinflação e o colapso econômico, mas temos um plano. Organizações internacionais examinaram o trabalho, e a resposta foi positiva. Guaidó sabe o que está fazendo e tem, a seu lado, os venezuelanos mais capacitados dentro e fora do país. Tenho uma tremenda confiança em sua liderança.PUBLICIDADE

9. Quais são as principais medidas econômicas que um novo governo deve tomar? 
Esse regime totalitário acabou com todos os direitos e liberdades na área econômica. Esses direitos são fundamentais para um país funcionar. Na Venezuela, as pessoas não têm direito à propriedade, de comprar moeda estrangeira, determinar o preço dos produtos que faz, escolher para quem quer vender… Dessa forma, é impossível que a economia funcione. Isso sem falar do setor petroleiro (a Venezuela tem as maiores reservas de petróleo do mundo, cerca de 25% do total da Opec, organização que reúne os principais produtores). Hoje a produção venezuelana é metade do que era quando Maduro assumiu o poder (em 2013) e equivale a um terço do que era quando Chávez assumiu a Presidência (em 1999) . Portanto, a primeira medida é devolver o poder das decisões econômicas para a sociedade. Num país com uma economia de mercado, as necessidades de uma pessoa são a fonte de renda de uma outra. Se fulano quer pão, aparece um empreendedor disposto a atender a essa demanda. Hoje a Venezuela tem generais com o poder de decidir sobre o funcionamento do mercado. Isso tem de acabar.

10. Está clara a necessidade de restabelecer as regras de mercado. Mas como reconstruir o Estado, que está falido e também é vital? 
É verdade que o Estado está em colapso. Não existem serviços confiáveis de água encanada, eletricidade, transporte, gás de cozinha, segurança pública nem gasolina. O sistema público de saúde é uma vergonha. Então, precisamos recriar a capacidade de ação do Estado. Outro ponto que vai merecer atenção é a dramática falta de moeda estrangeira. Primeiro, vamos precisar de assistência financeira internacional (Hausmann tem mantido contado com o Fundo Monetário Internacional), em seguida, teremos de reestruturar a dívida pública, com um belo corte. A Venezuela é o país mais endividado do mundo. Por fim, precisamos colocar o setor petroleiro de pé, porque será ele que vai gerar dólares para pagarmos pela assistência financeira internacional.

VENEZUELA NAS RUAS CONTRA MADURO

Milhares de venezuelanos foram às ruas de Caracas protestar contra o governo de Nicolas Maduro, no dia 23 de janeiro Anadolu Agency / Getty Images
Milhares de venezuelanos foram às ruas de Caracas protestar contra o governo de Nicolas Maduro, no dia 23 de janeiro Anadolu Agency / Getty Images
O lider da oposição, Juan Guaidó, fez ato simbólico durante manifestação. Ele fez um juramento para assumir interinamente a Presidência da Venezuela Marcelo Perez Del Carpio / Anadolu Agency / Getty Images
O lider da oposição, Juan Guaidó, fez ato simbólico durante manifestação. Ele fez um juramento para assumir interinamente a Presidência da Venezuela Marcelo Perez Del Carpio / Anadolu Agency / Getty Images
Protesto nas ruas de Caracas contra Maduro. Manifestantes apoiaram auto-declaração de Guaidó como presidente interino da Venezuela, que foi prontamente apoiada pelo presidente dos EUA Donald Trump Anadolu Agency / Getty Images
Protesto nas ruas de Caracas contra Maduro. Manifestantes apoiaram auto-declaração de Guaidó como presidente interino da Venezuela, que foi prontamente apoiada pelo presidente dos EUA Donald Trump Anadolu Agency / Getty Images
Manifestantes se reúnem para ouvir discurso de Juan Guaidó, no dia 25 de janeiro. Nesse momento, o auto-proclamado presidente interino da Venezuela já havia sido reconhecido por diversas nações Rafael Hernandez / picture alliance via Getty Image
Manifestantes se reúnem para ouvir discurso de Juan Guaidó, no dia 25 de janeiro. Nesse momento, o auto-proclamado presidente interino da Venezuela já havia sido reconhecido por diversas nações Rafael Hernandez / picture alliance via Getty Image
Entre os países que reconheceram a legitimidade de Guaidó estão Brasil, Argentina, Chile, Canadá, Estados Unidos e Colômbia. Na foto, Guaidó discursa em 25 de janeiro Lokman Ilhan / Anadolu Agency / Getty Images
Entre os países que reconheceram a legitimidade de Guaidó estão Brasil, Argentina, Chile, Canadá, Estados Unidos e Colômbia. Na foto, Guaidó discursa em 25 de janeiro Lokman Ilhan / Anadolu Agency / Getty Images

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Manifestante carrega bandeira com os dizeres "Eu sou Juan Guaidó". Ainda que muitos países apoiem a legitimidade do presidente-interino, uma série de outros se opõem ao anúncio. Rússia, Turquia, China e Cuba são alguns dos que reforçaram apoio ao atual presidente Nicolas Maduro Getty Images / Getty Images
Manifestante carrega bandeira com os dizeres “Eu sou Juan Guaidó”. Ainda que muitos países apoiem a legitimidade do presidente-interino, uma série de outros se opõem ao anúncio. Rússia, Turquia, China e Cuba são alguns dos que reforçaram apoio ao atual presidente Nicolas Maduro Getty Images / Getty Images

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11. O senhor já fez paralelos entre o que acontece na Venezuela e o que ouviu de seus pais, os dois sobreviventes do Holocausto. Isso não é um exagero? 
É preciso cuidado com essa comparação. A Venezuela obviamente não teve os 6 milhões de mortos do Holocausto. Mas meus pais sempre disseram que você nunca esquece a experiência de passar fome continuamente e de forma dramática. A Venezuela não tem conseguido prover as calorias e proteínas suficientes para alimentar seus habitantes. Quem ficou no país perde peso. Cerca de 5 milhões decidiram sair da Venezuela. Para fugir dos nazistas, Manfredo, meu pai, que ainda está forte aos 92 anos, literalmente caminhou da Bélgica até a Espanha — mais especificamente da Antuérpia até Barcelona. Muita gente está caminhando da Venezuela até o Peru. Muitos estão indo a pé até Boa Vista, no Brasil. Ver pessoas caminhando em busca de um lugar onde possam sobreviver é sempre chocante. Minha mãe, Malka, viveu com uma família católica no sul da Bélgica. Vivia como se fosse um membro da família para escapar da perseguição. Ela foi liberada por soldados canadenses em setembro de 1944, com 15 anos, e sempre se lembrou desse dia como o mais feliz de sua vida. Como não falava inglês, quando minha mãe viu os soldados foi colher flores para agradecer. Espero que a libertação da Venezuela esteja perto. Não quero ser muito otimista. Já se foram 20 anos. Mas a base de apoio de Maduro está muito frágil.