Sem laboratório, é impossível saber quanto agrotóxico engolimos em MS

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São 504 agrotóxicos regulamentados para uso no Brasil, entretanto a Anvisa faz análise de apenas 27 substâncias nos alimentos. Na água, os testes também não são tão abrangentes. Ainda assim, os resultados não são claros e não permitem saber a quantidade exata destes insumos agrícolas que acabam sendo ingeridos pela população.

Esta é a avaliação da professora doutora e pesquisadora da UFMS (Universidade Federalde Mato Grosso do Sul) Alexandra Pinho, que também faz parte da Comissão de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos, presidida pelo promotor Luciano Loubet. “Ninguém sabe (quanto de agrotóxico é consumido) e isso é um problema seríssimo. É um dos maiores problemas que a gente tem”, avalia. “Nem a legislação nos protege. Só tem regulamentação para análise de 27 princípios ativos. No Brasil são usados 504 agrotóxicos. E ainda tem os contrabandeados. Até os proibidos no Brasil, trazem do Paraguai e da Bolívia”, alerta.

Alexandra Pinho, professora doutora e pesquisadora da UFMS. (Foto: Marina Pacheco)

Alexandra Pinho, professora doutora e pesquisadora da UFMS. (Foto: Marina Pacheco)

“Não existe laboratório no Estado para análise. Aqui na Química temos aparelhos antigos. Já tentei brigar para conseguir aparelhos novos, mas a gente não consegue aprovar projetos”, afirma Alexandra.

Por meio da comissão, o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) destinou uma verba de R$ 30 mil para uma pesquisa da UFMS. De acordo com a pesquisadora, com este valor será possível custear a análise da água de alguns municípios do Estado. Ainda sem definição, serão escolhidos aqueles que têm atividades agrícolas mais intensas.

Em relação a quantidades de substâncias, Alexandra menciona análises realizadas pela Anvisa em alimentos e pela Sanesul e Águas Guariroba, na água. “Mas as análises não são muito claras. O limite no Brasil para o glifosato na água é de 500 microgramas por grama. A Águas diz que tem menos do que 30 microgramas, mas a gente não sabe quanto tem. Na legislação europeia a quantidade permitida é 0,1 micrograma, o permitido aqui (no Brasil) é de 500 microgramas por grama, é 5 mil vezes a mais”, detalha.

Quantidade de substâncias na aguá tratada é inconclusiva. (Foto: João Garrigó)

Quantidade de substâncias na aguá tratada é inconclusiva. (Foto: João Garrigó)

“A legislação é extremamente permissiva. Tanto na água quanto nos alimentos. E não temos capacidade de fazer pesquisa com esses valores, não tem dinheiro, não tem aparelhagem. No Brasil, tem laboratórios bons em São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul. Para fazer análise, agora, estou mandando pra Santa Maria (RS). O ideal seria termos um laboratório aqui e não é falta de projetos. Eu mando, a Química manda, mas a gente não consegue aprovar”, reforça.

Segundo Alexandra, os testes realizados pela Anvisa, ligada ao Ministério da Saúde, atestam a presença ou não de somente 27 produtos. Os resultados apontam se as amostras têm resíduos acima do limite máximo permitido ou se tem a presença de agrotóxicos não permitido para aquela cultura – o que é regulamentado pelo Mapa (Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento). “Se algum agrotóxico for encontrado em alimento que não é permitido o uso, está irregular”, explica Alexandra. Entretanto, a pesquisadora destaca que o relatório não informa a quantidade e quais agrotóxicos presentes nos alimentos e, ainda, qual a concentração de cada substância.

Por exemplo, como mostra o gráfico de relatório do PARA (Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos) de 2012, a análise detectou 90% das amostras de pimentão apresentaram irregularidades, sendo que 84% contem agrotóxicos não autorizados pela cultura, 1% contem substâncias acima do permitido e 5% apresentaram as duas situações. Já o pepino, obteve 45% das amostras com irregularidades, sendo 36% em relação ao uso de produtos não regulados para a cultura, 5% com níveis superiores ao permitido e 4% com as duas situações. 

Sem laboratório, é impossível saber quanto agrotóxico engolimos em MS

Um dado que auxiliaria nas investigações dos impactos dos agrotóxicos, seriam os casos de intoxicação aguda, mas Alexandra alerta que desde 2015 o Ministério da Saúde deixou de publicar tais informações. “A gente não sabe como está isso. Os afetados são geralmente quem trabalha com agrotóxicos. Precisamos saber qual quantidade de pessoas intoxicadas para poder avaliar o uso dos produtos”, esclarece.

Como equilibrar a equação saúde X produção?

A própria busca pela alta produção é a responsável pelos problemas de pragas e doenças nas lavouras. “Existe base científica mostrando que o modelo convencional de agricultura de monocultura implica no uso massivo de insumos agrícolas, como agrotóxicos”, esclarece Alexandra. “Esse mercado de monocultura super adensada já tá caindo em desuso. Grandes áreas só com soja, só com milho, algodão ou cana”, exemplifica.

A alternativa é o uso de sistemas agroecológicos e agroflorestais. “Estudos mostram várias soluções para reduzir o uso de agrotóxicos. A gente já tem ciência mostrando que consegue produtividades similares com menor quantidade ou nenhuma quantidade de agrotóxicos”, menciona.

“Tem que pensar na ecologia, se tiver área uma área com outras
espécies, o ataque não vai ser só na cultura. Quando tem um
ataque desse, é porque tem alguma coisa desequilibrada no
meio ambiente. Uma floresta, por exemplo, não é dizimada por uma
praga. Tem que olhar para a ecologia do local. Se manter o
equilíbrio ecológico e a função ecológica do lugar, consegue-se ter
uma redução muito grande dessas pragas. A saída é misturar as
culturas e manter áreas com a vegetação original, as agroflorestas.”

A pesquisadora atenta para a utilização de técnicas que favorecem a redução do agrotóxico, com controle biológico, manejo integrado de pragas, o que pode gerar economia, já que o gasto com os insumos será diminuído.

Livre de agrotóxicos – Se hoje, todos os produtores adotassem as práticas para redução ou eliminação dos insumos agrícolas, ainda assim a humanidade levaria décadas e talvez séculos para se livrarem das substâncias. “Fica em tudo. Alguns produtos permanecem por 500 anos, ou até mais tempo no solo”, adverte. Outro problema é que não é só no solo e na água, as substâncias ficam na atmosfera também. Então eles fecham o ciclo”, adiciona Alexandra.

Nossa água

Sobre as práticas de tratamento e análises da água de Campo Grande e de Mato Grosso do Sul, a Águas Guariroba e a Sanesul informam que os resultados mostram índices abaixo do que estabelece a legislação. 

Comissão de Combate aos Impactos do Agrotóxico

A Comissão, existente em todo o Brasil, no Mato Grosso do Sul é coordenada pelos Ministério Público Estadual, Federal e do Trabalho. Seu objetivo é trabalhar com a conscientização e mobilização junto com a sociedade civil, para reduzir o uso de agrotóxicos e combater os impactos no meio ambiente. Da comissão, ainda participam entidades como a UFMS e a Ecoa.

Um dos resultados do grupo foi a elaboração da cartilha, pela Ecoa, “Como denunciar os impactos dos agrotóxicos à saúde, ao meio ambiente e nas atividade produtivas”, disponível por este link. http://ecoa.org.br/wp-content/uploads/2019/03/Como-Denunciar-os-Impactos-dos-Agrotoxicos-ComissaoCombateaosImpactosdosAgrotoxicosMS_.pdf