Vetos de Duque a pontos do acordo com Farc acorda fantasma da guerra

Presidente anunciou objeção a seis artigos do pacto de paz do governo com guerrilha.

BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – O presidente colombiano, Iván Duque, anunciou na noite de domingo (10) a objeção a itens que compõem o estatuto pelo qual está operando a Justiça Especial para a Paz, órgão criado por meio do acordo que pôs fim ao enfrentamento entre o Estado colombiano e a guerrilha das Farc, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.

O acordo foi aprovado pelo Congresso no final de 2016 e está sendo implementado. Ao assumir a presidência, em agosto de 2018, Duque propôs a revisão do estatuto desse tribunal, pois o considerava demasiado brando em relação às amplas anistias concedidas e à substituição de penas de prisão por tarefas comunitárias.

Muitos de seus eleitores o apoiam nesse tema. A medida, porém, coloca em risco o cumprimento do acordo de paz, porque vai contra o que foi combinado entre as partes.

Os negociadores do governo colombiano que atuaram na assinatura do acordo, a cúpula da guerrilha e a ONU (Organização das Nações Unidas) afirmam que as objeções mudam o coração do acordo e podem causar mais dissidências de ex-combatentes, além de colocar em risco o restante da implementação do projeto.

Em seu pronunciamento, Duque disse que vetou seis dos 159 artigos do estatuto. Isso significa que o documento terá de voltar ao Congresso para ser aprovado novamente.

  • Governo de Maduro nega mortes em hospitais devido a apagão

O Parlamento, hoje, tem mais representantes do partido de Duque, o Centro Democrático, comandado pelo ex-presidente Álvaro Uribe, do que no período em que o pacto de paz foi aprovado. Portanto, a chance de que o veto seja confirmado é grande.

As objeções são aos artigos 7, 63, 79, 19, 150 e 153, e suas aplicações tendem a endurecer o acordo para os ex-guerrilheiros. Um deles trata da reparação às vítimas. A alteração faria com que a ex-guerrilha entregasse mais bens e dinheiro como forma de indenização.

Isso toca num tema sensível, pois o governo anterior, de Juan Manuel Santos (2010-2018), nunca pôde de fato fazer um levantamento total do que a guerrilha possui em termos de terras, armas e dinheiro.

Duque considera essencial que isso venha à tona e que esses recursos sejam encaminhados a familiares das vítimas ou para a ajuda nos gastos da implementação da paz.

Outro artigo também torna mais rigorosa a identificação de quem deve receber ajuda financeira do governo.

Pelo acordo, todos os ex-combatentes que voluntariamente deixassem as armas e não tivessem crimes graves pelos quais responder deveriam receber do Estado três quartos de um salário mínimo até se reintegrarem à sociedade.

No texto original, bastava que o ex-guerrilheiro se identificasse. Agora, Duque quer uma investigação exaustiva sobre quem é quem, especialmente para saber se estavam envolvidos em casos de narcotráfico e se continuaram a delinquir após o processo de paz ter sido aprovado -como ocorreu, por exemplo, com o ex-líder das Farc Jesus Santrich. Ele havia aceitado o acordo, mas seguiu atuando em uma gangue de narcotráfico.

A medida também busca evitar que narcotraficantes comuns declarem terem sido guerrilheiros. Dessa forma, conseguiriam anistia por meio do acordo.

O terceiro ponto tem a ver com a independência da chamada JEP (Justiça Especial de Paz). Duque avalia que o tribunal não pode atuar totalmente descolado da Justiça comum, e que deve haver uma melhor prestação de contas e troca de inteligência entre ambos.

A mudança no artigo referente a esse tema afetaria ex-guerrilheiros já condenados pela Justiça comum e que teriam as penas anuladas para serem julgados pela JEP, o que os livraria da prisão.

Duque diz que essa sobreposição de funções não deve existir e que penas determinadas antes do acordo devem seguir valendo independentemente da existência de um tribunal especial.

Isso afeta, principalmente, os membros da cúpula das Farc, que já estão há tempos condenados pela Justiça comum.

“É necessário ser mais rigoroso sobre quem pode ser acolhido pela JEP e quem já está ou já foi condenado pela Justiça comum, isso é essencial para evitar a impunidade e a desmoralização da Justiça colombiana”, disse Duque.

Outro ponto reduz as condições para os que podiam, antes, pedir anistia a seus crimes, por terem sido executados sob ordens dos altos comandos da guerrilha ou por serem considerados crimes menores.

No texto do acordo de paz, atividades relacionadas ao narcotráfico são “anistiáveis”, porque os crimes seriam cometidos para financiar a guerrilha. Duque tem sido duro com esse ponto, dizendo que o tráfico de drogas tem de ser incluído entre os crimes de lesa humanidade, ou seja, aqueles que não prescrevem. Dessa maneira, quem praticou esse crime teria de ir aos tribunais da JEP.

Por fim, o presidente também vetou que se aceite com tanta facilidade qualquer pessoa que diga ter informações. Duque exige que existam regras mais claras sobre quem pode fazer delações e quem pode receber diminuição de sentença por isso.

Nesse item, encontram-se civis que colaboravam com as Farc. O acordo original, porém, já não se estendia a eles, que devem responder à Justiça comum.

O presidente afirmou ainda que as objeções aos artigos estão sob sua responsabilidade e garantiu que não deseja dissolver o acordo de paz, mas “garantir que não haverá impunidade”.

Acrescentou que as alterações correspondem a um desejo de grande parte dos cidadãos, que “temem que a impunidade seja tão ampla aos que cometeram atentados, sequestros, mortes e extorsão” por tantos anos -o conflito do Estado com as Farc data de 1964 e já deixou mais de 250 mil mortos.

O ex-presidente liberal César Gaviria, um dos apoiadores do acordo de paz, diz que “eliminar ou restringir a JEP é um enorme risco e alimenta o perigo de suspender o processo de paz, que se apoia muito em seu funcionamento”.

Já o ex-presidente Álvaro Uribe, padrinho político de Duque e comandante de seu partido, o Centro Democrático, crê que a JEP “deveria ser eliminada, por desmoralizar a Justiça colombiana e distribuir anistias a quem cometeu tantos males contra a população colombiana”.

O ex-presidente Juan Manuel Santos, que ganhou o Nobel da Paz por costurar o pacto de paz com as Farc, chamou a atenção para o que pode ser perdido caso as objeções coloquem em risco o acordo. Ele lembrou que, desde 2016, a Colômbia tem diminuído de forma recorde o número de homicídios e que isso se deve ao acordo de paz.