Sequelas permanentes alteram rotina de quem sobreviveu à Covid

Deize da Conceição e Dayse Oliveira são vítimas da doença e lidam com marcas deixadas por ela

Reprodução

Deize Ramos atua na área da saúde e teve Covid em junho de 2020

Contaminada pelo coronavírus em julho do ano passado, depois de ficar acamada por 20 dias e passar por um período lento de recuperação, a coordenadora de saúde Deize da Conceição Ramos, de 61 anos, precisou se adaptar às sequelas deixadas pela doença.

Com crises de espirro, perda de memória, tosse seca constante e uma sensação permanente de estar gripada, ela descobriu recentemente mais uma sequela deixada pela doença: o acúmulo de gorduras no fígado. 

“Como eu não tinha melhora fui ao médico. Até achei que estava de novo com a Covid, por causa dos sintomas. Mas o médico falou que eram as sequelas. Agora estou aprendendo a conviver com elas”, contou ela, que é apenas uma dentre as muitass pessoas que a doença deixou marcas. 

A química Dayse Oliveira, de 44 anos, é mais uma dessas muitas vítimas que até hoje apresentam sequelas.  

Ela contraiu a doença em agosto deste ano, após o marido e o filho terem sido contaminados. Com diarreia, tosse e muita dor no corpo, ela também ficou aproximadamente 20 dias acometida com os sintomas mais severos.  

Arquivo pessoalDeize da Conceição Ramos

Deize da Conceição Ramos é coordenadora de saúde

Por volta do 4º dia, após os primeiros sintomas se manifestarem, Oliveira deixou de sentir os odores à sua volta e até o momento não recuperou o olfato.  

“É muito louco, nunca pensei em não sentir o cheiro das coisas. É uma coisa tão simples para nós, tão cotidiana, que depois que você fica sem esse sentido é confuso”, desabafa. 

Segundo Marcelo Sandrin, clínico geral especialista em cardio e pneumologia, o número de pessoas que apresentam sintomas permanentes dos mais variados tipos, cresce a cada dia. 

“São sequelas, às vezes, quase imperceptíveis ou não valorizadas ou sequelas, às vezes, muito importantes”, explica. 

Sequelas e o que fazer com elas

Dentre as sequelas mais severas citadas por Sandrin, estão as atelectasias (colapso do pulmão), distorções da arquitetura pulmonar e insuficiência renal.

“Tiveram casos em que o paciente esteve em programa de diálise”, afirma.

Além dessas, há a possibilidade de tromboses, de acidentes vasculares cerebrais, infartos agudos do miocárdio (parte do coração), doença isquêmica (obstrução nas artérias coronárias).

“São relatados casos, por exemplo, de gangrenas do pé, em que tiveram que chegar ao extremo de perda do membro”, conta Sandrin.

 

“Você pode ter microcoágulos que podem lesar áreas significativas do cérebro. Há casos descritos, por exemplo, de cegueira, por causa de uma trombose da artéria oftálmica”, exemplificou. 

Outra sequela citada pelo especialista, que não está ligada ao vírus em si, mas às medidas de biossegurança adotadas para frear o seu contágio, é o envelhecimento da pele das mãos em decorrência do uso constante de álcool. 

É muito louco, nunca pensei em não sentir o cheiro das coisas. É uma coisa tão simples para nós, tão cotidiana, que depois que você fica sem esse sentido é confuso

“Eu tenho 66 anos e uma mão que poderia ser classificada de 80”, brincou o especialista. “Tem que higienizar a mão toda hora, atende [paciente], lava, atende, passa álcool. O álcool resseca e até tira a camadinha de gordura”, explica, reforçando que apesar desse efeito, na atual conjuntura, o uso é fundamental.

 

Para as sequelas de ordem respiratórias, segundo o especialista, sessões de fisioterapia podem apresentar melhora significativa dos quadros.

“Temos como melhorar a capacidade respiratória. Já para pessoas que tiveram infarto ou acidente vascular, a fisioterapia e o programa de recuperação cardiovascular podem ajudar”. 

Sandrin afirma, ainda, que o “uso tempestivo das medicações” recomendadas é fundamental, ou seja, utilizar as medicações receitadas até quando for necessário. 

Constrangimentos e adaptação diária

Deize Ramos conta que lidar cotidianamente com as sequelas da Covid é um transtorno ao qual ela está sendo forçada a se adaptar

“De manhã cedo, quando me levanto, tenho uma crise de espirros, parece que estou sempre gripada. Quando espirro e as pessoas saem correndo eu fico sentida, mas fazer o quê?”, lamenta a coordenadora de saúde.

Além, também, do mal-estar constante por causa da gordura acumulada no fígado, Ramos explica que episódios de “esquecimento” são o que mais lhe incomoda. “Eu sempre fui muito boa de memória e agora não, eu tenho que anotar tudo”. 

Dayse Oliveira, por sua vez, tenta levar na esportiva a falta do olfato. “Tô tentando ver pelo lado bom, pelo menos não estou sentindo o fedor das coisa”, brinca. “Mas vou atrás disso, a gente brinca, é uma coisa simples, mas muito significativa”. 

Como é que a gente tem uma doença nova onde foi proibida a autópsia? É um absurdo

São em momentos pontuais que ela percebe a importância desse sentido. Como quando ela queimou uma panela de arroz ao ponto de quase perfurar o alumínio e não sentiu absolutamente nenhum cheiro.

Apesar de não ter perdido o paladar, Oliveira conta que o gosto dos alimentos não é o mesmo sem poder sentir os seus aromas. “Eu consigo sentir o sabor, mas não acho tão gostoso como antes”. 

Um caminho de investigações pela frente

Segundo Sandrin, a falta de incentivo por parte do Governo Federal e a politização feita em cima da doença, até então totalmente desconhecida, prejudicaram o avanço do conhecimento científico sobre ela e os seus efeitos nos contaminados. 

“Como é que a gente tem uma doença nova onde foi proibida a autópsia? É um absurdo! Para nós da área de saúde, os éticos, os que querem ver a ciência progredir sem bate-boca, perdemos uma grande oportunidade não realizando as autópsias”, explica.

Conforme o especialista, a doença e os seus efeitos foram sendo conhecidos de forma gradual. No início, constatou-se que era uma doença viral com grande capacidade de infecção. Depois que ela era também altamente inflamatória, especialmente para os pulmões. Finalmente, pelo que se sabe até então, que ela é também trombótica. 

“Por exemplo, com relação à perda e olfato, agora a gente já tem um dado de trabalho ético em que a maioria maciça, de 98% das pessoas, acabam recuperando o paladar e o olfato em até 6 meses”, diz.

Segundo Sandrin, ainda há um longo caminho de investigações pela frente e o mais assertivo é manter os cuidados de biossegurança e o distanciamento social. Midianews.

.