Sem conter exploração ilegal de madeira, Bolsonaro exporta culpa para europeus

A desregulamentação das políticas ambientais ganhou até bordão próprio no governo: “passar a boiada”

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ao ameaçar divulgar a lista de países importadores de madeira ilegal, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tentou apontar como culpados pela devastação da Amazônia os países que pressionam o Brasil pela redução das taxas de desmatamento. “Esses países em parte têm responsabilidade nessa questão”, disse o presidente nesta terça (17) em reunião dos Brics.

Seria um bom argumento se ele não fosse a justificativa explícita dos europeus, que já se admitiam ser parte do problema ao explicar sua preocupação.

Bolsonaro, portanto, torna evidente o motivo da preocupação europeia com o desmatamento da Amazônia e agora tem um discurso alinhado com os estrangeiros.

A pressão dos líderes europeus vem, afinal, dos seus consumidores e eleitores, críticos do consumo ligado a desmatamento. Partiu deles a pressão que levou a rede de supermercados Tesco, no Reino Unido, a se unir ao Greenpeace em uma crítica à carne produzida no Brasil. A ação levou o Reino Unido a tramitar uma lei que obriga suas empresas a garantir que suas importações não estejam ligadas a desmatamento.

Muito além da madeira, são commodities de risco a carne, a soja e o óleo de soja, no caso brasileiro, assim como o cacau, o couro, a borracha e o óleo de palma em outras regiões do mundo.

Até mesmo a Alemanha, que tem interesse em ampliar as relações comerciais com o Brasil, passou a expressar receio sobre o acordo comercial com o Mercosul -que está parado no parlamento europeu – justamente por conta do seu impacto no desmatamento da Amazônia.

Afinal, a facilitação do comércio com um país que não dá garantias ambientais sobre seu produto teria como consequência direta o incentivo ao desmate descontrolado. E é justamente dessa responsabilidade que os europeus tentam se livrar ao não votar o acordo comercial, enquanto buscam leis, a exemplo do projeto britânico, que blindem suas importações.

O esboço de esclarecimento sobre as razões da crítica ambiental ao Brasil serve principalmente à plateia bolsonarista. O público-alvo dos discursos presidenciais teve a chance de ouvir de Bolsonaro uma versão mais realista das relações internacionais, o que também desmascara a improcedência de teorias conspiratórias usadas por Bolsonaro, como a hipótese de que esses países gostariam de internacionalizar a Amazônia, atropelando a soberania brasileira.

Sem querer, Bolsonaro invalida sua fábula da ameaça à soberania nacional ao revelar que os europeus “têm responsabilidade nessa questão” e por isso opinam, criticam e até financiam soluções, como faziam através do Fundo Amazônia. Faltou mencionar, como presidente do país que detém a maior parte da Amazônia, a responsabilidade do seu governo.

As críticas internacionais ganharam mais veemência desde que o Brasil passou a ser governado a partir de um projeto antiambiental, que vem desmontando as estruturas de controle ambiental e fiscalização em todo o país.

A desregulamentação das políticas ambientais ganhou até bordão próprio no governo: “passar a boiada”.

Em março, após a revelação da agência Reuters de que o Brasil exportou milhares de carregamentos de madeira da Amazônia em 2019 sem a autorização Ibama, o presidente do órgão decidiu extinguir a exigência de autorização.

Por sua vez, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, exonerou o coordenador-geral para o monitoramento do uso da biodiversidade e comércio exterior, André Sócrates de Almeida Teixeira, que foi contra exportação de madeira sem autorização.

O ministro também avaliou a possibilidade de exportação de madeira in natura, ou seja, em toras – um pleito de madeireiros ao presidente Bolsonaro.

O comércio de madeira ilegal não depende de um mercado clandestino, já que ele acontece a partir da fraude nas informações inseridas em autorizações como o DOF, o Documento de Origem Florestal, exigido no transporte da madeira. Ou seja, o comprador adquire a madeira por vias legais e dificilmente conseguiria saber se a origem é ilegal.

O controle sobre a origem aumentou com a unificação dos dados através do Sinaflor (Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais). Criado pelo Ibama em 2017, ele identifica a origem de cada tora, assim como o responsável pelo manejo da área.

No entanto, o comércio de madeira “esquentada” continua sendo um grande motor do desmatamento, enquanto a fiscalização recrudesce e a aplicação de multas é completamente paralisada. Nenhuma nova multa ambiental foi cobrada no último ano, segundo levantamento do Observatório do Clima a partir da Lei de Acesso à Informação.

Para além da lista de importadores, o presidente dispõe de todas as informações necessárias para combater a exploração ilegal de madeira: do monitoramento por satélite do Inpe à inteligência do Ibama sobre as áreas críticas e as operações de campo.

Em vez de usar esses recursos públicos para enfrentar o crime organizado que sistematicamente destrói o patrimônio ambiental brasileiro, o presidente escolheu como projeto destruir os órgãos de controle ambiental. Essa culpa não pode ser exportada.