Promotores conservadores pede que Bolsonaro decrete Estado de Defesa

A entidade Ministério Público Pró-Sociedade pediu a análise da possibilidade de intervenção federal nos estados

A motivação, diz o grupo, é coibir supostos desvios de verbas cometidos por governadores no combate à Covid-19, além de reverter o que consideram a supressão de direitos individuais.

“Tal providência concentraria nas mãos da União a coordenação dos rumos da pandemia, evitando-se os equívocos e desencontros de muitas das medidas adotadas pelas demais unidades da Federação (as quais estão suprimindo direitos individuais indisponíveis), podendo o governo federal se valer até mesmo da ocupação e do uso temporário de bens e serviços públicos de outros entes federativos”, diz pedido protocolado na última terça-feira (16).

A peça do MPPS é assinada pelo advogado de Brasília Douglas Ivanowski Bertelli Kirchner, que foi expulso do Ministério Público por questões disciplinares.

A entidade reúne promotores e procuradores conservadores, alinhados ao bolsonarismo. Em seu manifesto de fundação, que teve a assinatura de 128 integrantes do Ministério Público, o grupo se propõe a combater o que veem como viés progressista da corporação.

Defendem pautas alinhadas ao governo Bolsonaro, como Escola Sem Partido, além do aumento do punitivismo penal e do encarceramento como políticas de combate à criminalidade.

O Estado de Defesa é previsto na Constituição em seu artigo 136, “para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza”.

O decreto prevê medidas draconianas, como restrições ao direito de reunião e de sigilo de correspondência, além da prisão por “crime contra o Estado”.

Embora de caráter autoritário, a medida não é necessariamente salvo conduto para uma ditadura. Tem de ser aprovada pelo Congresso Nacional com prazo determinado de 30 dias, que podem ser prorrogados por igual período.

A intenção dos autores da Constituição, ao incluir este artigo, foi dar instrumentos mais ágeis ao Executivo em períodos de grande comoção social e desordem. Segundo a petição do MPPS, isso se aplica ao atual momento de pandemia.

“É evidente que o país atravessa uma situação de comoção grave de repercussão nacional, abalando assim a ordem pública e a paz social, estas atingidas por uma calamidade de grande proporção da natureza (coronavírus)”, afirma a peça apresentada.

Como exemplo dessa situação, são mencionados o que seriam desvios de recursos públicos liberados pela União a estados para combater a Covid-19. O governo federal, diz o MPPS, teria destinado às unidades da Federação bilhões de reais contra o coronavírus, além de ter deixado de receber pagamentos pelo serviço das dívidas estaduais.

Apesar disso, os governadores teriam desviado esses recursos para outros finais, o que mereceria uma investigação de órgãos como Controladoria-Geral da União (CGU), Tribunal de Contas da União (TCU) e inquérito criminal pela Polícia Federal.

“Por exemplo, o estado de São Paulo recebeu cerca de R$ 8 bilhões em auxílios do governo federal, mas as despesas com saúde cresceram apenas R$ 2 bilhões”, diz o MPPS.

A menção a São Paulo não é mero acaso: o governador João Doria (PSDB) tornou-se um dos principais opositores de Bolsonaro. Caso as providências pedidas não sejam suficientes, a petição sugere ainda a possibilidade de a União intervir nos estados.

A peça apresentada recebeu críticas quase imediatas. Em nota, entidades como a Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público) e ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) disseram que o pedido de Estado de Defesa para apurar eventuais irregularidades no contexto da pandemia não se justifica.

“A apuração de qualquer ilícito porventura cometido por agentes públicos durante a pandemia deve ser objeto de regular apuração por quem tenha atribuição constitucional para tanto, não se justificando a adoção de medidas extremas ou de exceção, com severas restrições das liberdades individuais e clara subversão da ordem constitucional”, afirmam em nota.

É praticamente nula a possibilidade de Bolsonaro acatar o pedido do MPPS, mesmo a entidade sendo parte de sua base ideológica.

O simples fato de algo assim ter sido pedido, no entanto, mostra como os apoiadores do presidente estão dispostos a usar a Covid-19 contra os governadores no período até a eleição do ano que vem.