PIB do 2º tri teve recessão histórica, mas o caminho à frente é de subida, dizem economistas

Os rumos da economia combalida por uma pandemia são de melhora, já que há consenso de que foi atingido o fundo do poçoRicardo Bomfim1 set 2020 17h08

SÃO PAULO – O Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro sofreu uma contração de 9,7% no segundo trimestre de 2020 na comparação com os primeiros três meses do ano. Segundo analistas, a queda apesar de superior à expectativa mediana do mercado – que era de retração de 9,2% pelo consenso Bloomberg – não preocupa tanto, pois o fundo do poço já foi atingido.

Conforme lembraram os economistas Leonardo Fonseca e Lucas Vilela, do Credit Suisse, tanto o recuo trimestral do PIB quanto o anual (-11,4% ante o segundo trimestre de 2019) foram os maiores da série histórica iniciada no primeiro trimestre de 1996.

Todavia, os números não mudam o cenário-base do banco, que prevê queda de 5,2% do PIB brasileiro em 2020, uma vez que os indicadores econômicos recentes sugerem continuidade na recuperação econômica vivenciada desde abril.

Mais otimista, Gustavo Arruda, economista-chefe do BNP Paribas para Brasil, revisou para cima sua projeção para o PIB de 2020 depois do resultado do segundo trimestre. De uma queda de 7%, ele agora espera que a economia brasileira caia 5% neste ano, essencialmente porque, na opinião dele, a recessão até agora não foi tão profunda quanto o banco inicialmente imaginou que seria.

“A reabertura precoce da economia, junto com os amplos pacotes de estímulos fiscais e monetários, explicam essa performance melhor que a esperada”, alega.

Na mesma linha, Alberto Ramos, diretor de pesquisa econômica para América Latina do Goldman Sachs, explica que os dados da atividade econômica referentes a maio e junho mostram uma recuperação visível após o declínio que ocorreu em março e abril.

As razões apontadas para essa melhora no desempenho da economia são a política de juros mais baixos adotada pelo Banco Central e as “generosas medidas” de estímulo fiscal promovidas pelo governo.

“Nós esperamos que a atividade real continue a se recuperar nos meses vindouros apoiada pela gradual e seletiva flexibilização dos protocolos obrigatórios de distanciamento social somada à melhora nas condições financeiras internacionais, além de estímulos fiscais adicionais e efeitos defasados da política monetária”, prevê.

Por outro lado, o economista elenca como problemas a serem enfrentados nos próximos trimestres a complexidade do quadro da pandemia no Brasil, o mercado de trabalho muito fraco e a retirada ou redução gradual de alguns programas sociais de curto prazo como o auxílio emergencial.

Apesar do cenário não ser tão dantesco como muitos supunham no começo da proliferação do coronavírus, Ramos revisou suas projeções para o PIB de 2020 principalmente devido à revisão que o próprio Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) fez do PIB do primeiro trimestre deste ano. O número oficial foi revisto de uma recessão de 1,5% para uma maior, de 2,5% nos primeiros três meses de 2020.

Com isso, agora o Goldman Sachs prevê queda de 5,4% do PIB brasileiro em 2020, contra o recuo de 5% estimado anteriormente.

Já os economistas Thiago Machado e Fernando Sedano, do Morgan Stanley, acreditam que a atividade econômica brasileira deva cair menos do que o banco antecipava no meio do ano.

E os motivos citados para isso são que o auxílio emergencial dá alguma resiliência ao consumo, o que fica demonstrado pelo retorno das vendas do varejo aos níveis pré-pandemia, e que a tendência atual é de relaxamento mais rápido que o esperado das medidas de distanciamento social.

“Grandes medidas de lockdown parecem inviáveis no Brasil dados o alto nível de informalidade e a necessidade da maior parte da população de se fazer uma renda extra para poder pagar as contas.”

Vale lembrar que as vendas no varejo se expandiram em 14% em maio na comparação com abril e mais 8% em junho em relação a maio.

Já Vitor Vidal, economista da XP Investimentos, destaca que o número cheio do PIB veio bem mais fraco que o esperado pela corretora (queda de 8%), mas que o principal responsável por esse desvio foram os gastos da administração pública.

No trimestre, o consumo do governo recuou 8,6% na comparação com o período anterior, enquanto a XP esperava queda de 2%. Vidal argumenta que isso ocorreu devido ao cancelamento de praticamente todas as cirurgias eletivas no sistema público de saúde.

“Segundo o DataSuS, a queda no período (sujeita a revisões) foi próxima de 40%. Acreditamos que haverá devolução destes números ao longo do segundo semestre”, projeta.

Os economistas David Becker e Ana Madeira, do Bank of America, por sua vez, projetam que o PIB cairá 5,7% em 2020, com uma recuperação gradual no segundo semestre.

“Todos os indicadores de confiança cresceram em agosto, com a confiança do consumidor subindo 2,1 pontos, a 80,4, a confiança dos serviços aumentando em 6,8 pontos a 83,5 e a confiança do comércio disparando 12,7 pontos, a 96,3. A confiança da indústria está também se recuperando rápido, expandindo-se em 10 pontos, a 100,5 em agosto, acima dos níveis pré-pandemia”, analisa a equipe de análise do BofA.

O UBS, por sua vez, revisou para cima a estimativa do PIB de 2020 de baixa de 5,5% para queda de 4,5%. Tony Volpon e Fabio Ramos, economistas da instituição, ressaltam que a recuperação em formato de “V” – como muito destacado por Paulo Guedes, ministro da Economia – acontece, em parte, devido ao extraordinário (ainda que insustentável) gasto fiscal.

Desta forma, fazer um equilíbrio entre a sustentabilidade fiscal mas, ao mesmo tempo, não incorrer em uma rápida contração dos gastos será o desafio para o futuro da economia, avaliam. Os economistas esperam um crescimento de 3% para 2021 e veem alguma possibilidade de alta para essa previsão: “nossa projeção é impulsionada por caminhos modestos, embora otimistas, para as principais variáveis de nossos modelos”.

Serviços e consumo doméstico sofreram

Vidal lembra que apenas três segmentos apresentaram crescimento no segundo trimestre. Foram eles as atividades financeiras (+0,8%), as atividades imobiliárias (+0,5%) e a agropecuária (+0,4%). Enquanto isso, o setor industrial caiu 12,3% e o de serviços se retraiu em 9,7%.

O setor de “Outros Serviços”, que engloba bares, restaurantes, serviços administrativos, profissionais, hotéis, entre outros, teve contração de 19,8%, conforme realçou a XP.

Alberto Ramos afirma que os dados do setor de Serviços foram notadamente mais fracos do que os de produção e consumo de bens por conta da natureza do choque causado pela Covid-19. “Os protocolos de distanciamento social afetaram mais os serviços, pois eles são mais intensivos em contato direto entre vendedor e cliente”, avalia.

Outro ponto de destaque no PIB foi a queda de 12,4% na demanda doméstica, puxada pela contração de 12,5% no consumo das famílias e de 15,4% nos investimentos excluindo estoques.

A equipe de análise do Morgan Stanley comenta que essas retrações no consumo interno foram apenas parcialmente ofuscadas pelo resultado da Balança Comercial, que registrou um aumento de 1,8% nas exportações ante um colapso de 13,2% nas importações no trimestre.

“Isso revela uma combinação de retomada na demanda externa e fraqueza na demanda doméstica”, resumem os analistas do banco americano.

Por mais que tenha sido um dos únicos segmentos a crescer durante a crise, o desempenho do agronegócio frustrou algumas expectativas. Entre elas, a de Ricardo Jacomassi, economista-chefe da TCP Partners.

Jacomassi revela que previa alta de 2,5% no PIB do agronegócio no trimestre, mas essa perspectiva acabou sendo prejudicada pelos impactos no setor sucroalcooleiro, com a redução nas vendas de etanol.

O economista também se surpreendeu com o desempenho negativo do segmento de transportes, que caiu 19,3%.