“Intervenção militar ‘constitucional'”

Fausto Matto Grosso é Engenheiro e professor aposentado pela UFMS

Durante muito tempo, pensei que a intervenção militar fosse um assunto irrelevante, restrita a uma meia dúzia de condutores de faixas nas passeatas contra a corrupção. Entretanto, algumas informações sobre o assunto me deixaram preocupado.

Não me refiro à possibilidade real da intervenção, mas ao caldo de cultura existente no País favorável a soluções autoritárias e simplistas como esta.

Segundo pesquisas recentes do Instituto Paraná Pesquisas, 43,1% dos brasileiros defendem a intervenção militar no Brasil. 51,6% são contra e 5,3% não sabem ou não responderam.

Por trás dessa realidade está o brasileiro descrente do sistema político, enojado pela corrupção e assustado com a violência cotidiana. Esses pontos são centrais, portanto, para serem enfrentados a partir de uma perspectiva democrática.

As mudanças que estão ocorrendo no sistema político são muito tímidas e apontam para o esforço de sobrevivência dos atuais mandatários. As poucas brechas que se abriram devem ser aproveitadas para uma intervenção maior da cidadania nas próximas eleições. Muitos grupos, pelo menos meia dúzia deles, apontam para uma filiação maciça de cidadão nos partidos mais limpos ou renovados.

Os que acreditam em mais democracia para a superação da crise da política devem assumir essa articulação com prioridade. Poderemos construir elementos para uma nova cultura política. Afinal, a política é muito importante para deixar na mão só dos políticos.

A corrupção foi transformada em sistema de poder nas últimas décadas. Pior, tornou-se um mal comum, que atinge todos os quadrantes ideológicos: direita, centro e esquerda, esta última até então encarada como reserva de moralidade. Apesar disso, é possível constatar uma atuação firme do Judiciário e da Polícia Federal.

Vários são os políticos e empresários processados, condenados e presos, principalmente nas primeiras e segundas instâncias. Decisões importantes estão sendo esperadas, como a manutenção da prisão para condenados na segunda instância e a redução do foro especial para os políticos, o que ajudaria a desafogar o Supremo Tribunal Federal e daria celeridade aos processos contra os políticos.

As mudanças recentes no Ministério Público, com a entrada de Raquel Dodge, até agora não deram razão para temores de perda de empenho dessa instituição. Apreensões existem quanto a mudanças na Polícia Federal, mas têm de serem anuladas pela mobilização, cada vez mais firme, da opinião pública e dos meios de comunicação. A violência na vida cotidiana, o tráfico de armas e drogas, está aí a preocupação maior das pessoas.

Estas se sentem inseguras e desprotegidas. Regiões inteiras estão fora do poder do Estado e a violência invade os lares e todos os ambientes da vida social. O grande desafio é construirmos uma nova formulação democrática, mas efetiva, sobre a segurança pública.

Como herança dos tempos da Ditadura, os democratas sempre olharam com desconfiança esse tema, principalmente aqueles mais à esquerda, que não se permitiram enfrentar esse desafio. Sem abrir mão da defesa dos direitos humanos universais, é preciso formular uma política mais efetiva da defesa integral dos cidadãos. Não se pode imobilizar a polícia no cumprimento do seu papel legal, ela própria grande vítima de crescente violência.

Quanto à intervenção militar, “constitucional”, como tentam dissimular seus defensores, é preciso deixar claro que ela será sempre inconstitucional. A Constituição coloca as Forças Armadas como instituições nacionais organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade do presidente da República, seu chefe maior.

A simples propagação dessas ideias se constitui em crime.

Para propaganda de processos violentos e ilegais para alteração da ordem política, é prevista pena de detenção de 1 a 4 anos. Para a incitação da animosidade entre as Forças Armadas e as instituições civis – pena de reclusão de 1 a 4 anos.

Um presidente da República só pode ser afastado do cargo por impeachment ou renúncia. Ou ainda por novas eleições, como as que teremos em 2018, quando a decisão será colocada sob a responsabilidade de cada um de nós. Espero que possamos fazer bom uso da oportunidade de passar o Brasil a limpo.

Artigo extraído do Correio do Estado.