Delegado diz que PF no Pará tentou interferir em prisão de pastor

O delegado Vinícius Lima, responsável pela prisão do pastor Arilton Moura na operação Acesso Pago, afirmou em depoimento que houve tentativa de interferência da cúpula da Polícia Federal do Pará na ação.

A Acesso Pago apura denúncias de tráfico de influência e corrupção na liberação de verbas do Ministério da Educação. A TV Globo teve acesso a um depoimento de Lima.

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Além do pastor Arilton Moura, foram presos no mesmo dia o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro e o pastor Gilmar Santos. De acordo com denúncias de prefeitos, Gilmar e Arilton prometiam facilitar a liberação de verbas da Educação para municípios em troca de compra de bíblias, propina em dinheiro e até ouro.

Prisão de Arilton

O delegado Vinicius Lima relatou que, logo após prender Arilton Moura, levou o pastor para um presídio em Belém. Segundo o delegado, foi depois disso que começou a tentativa de interferência.

Lima contou que, pouco depois das 20h, o superintendente da Polícia Federal no Pará, Fábio Andrade, ligou pediu que tentasse retirar o pastor Arilton Moura do presídio. Andrade queria levar o pastor para a superintendência da PF — para que Moura passasse a noite lá, e não no presídio.

Ainda segundo o depoimento, logo em seguida o superintendente da PF no Pará comentou com o delegado que precisava dar uma posição sobre essa transferência – naquele mesmo dia – para o diretor geral da Polícia Federal, Márcio Nunes, para o ministro da Justiça, Anderson Torres, e que isso seria passado ao presidente Jair Bolsonaro por causa da “complexidade da operação”.

Apesar do pedido, o pastor não foi transferido naquela noite. Dormiu no presídio. O delegado relatou no depoimento que explicou ao superintendente que embora a Polícia Federal tenha celas na superintendência, elas não estavam sendo usadas e que não havia pessoal treinado para monitorar presos. Por isso, o melhor era manter o pastor no presídio.

Arilton Moura então foi levado do presídio para a PF no dia seguinte – para fazer uma audiência de custódia. Nesse período na PF, ele permaneceu em uma sala, e não em uma cela, e acabou sendo solto horas depois por decisão da Justiça.

‘Conluio’ para obstruir a investigação

O delegado que preside a investigação, Bruno Calandrini, afirmou no inquérito que houve uma “intensa movimentação” e um “conluio entre a administração da PF em Brasília e Pará” observada através de “atos de obstaculização e interferência, em tese, a mando do diretor geral da Polícia Federal, ministro da Justiça e presidente da República”, e que foi “uma ação direta, voluntária e intencional do superintendente Fabio Andrade e do delegado Ronilson dos Santos, o segundo na hierarquia da PF no pará.

Bruno Calandrini indiciou os dois e os convocou para depor em outubro. O delegado também quer ouvir integrantes da cúpula da PF sobre a suposta interferência na operação, como Caio Rodrigo Pellim, diretor de combate ao crime organizado, o “03” da instituição, e Rodrigo Bartolomeu, chefe da superintendência da PF em São Paulo.

Mais indícios de interferência

O depoimento do delegado que prendeu o pastor Arilton Moura é um dos principais elementos que embasam um pedido de prisão da cúpula da Polícia Federal – que está sob análise da ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF).

Não é a primeira vez que surge, nesse caso, um indício de interferência do governo em benefício dos investigados.

Um dia depois da operação, em junho, o delegado Bruno Calandrini disse – em uma carta a colegas da polícia – que houve interferência na condução do caso Milton Ribeiro. Segundo ele, o ex-ministro não foi transferido para Brasília após ser preso, em Santos, em razão de uma decisão superior da direção da PF, apesar de a Justiça ter determinado que ele deveria ser interrogado em Brasília.

Nessa carta, Caladrini disse que o deslocamento de Milton para a carceragem da PF em São Paulo é demonstração de interferência na condução da investigação. Por isso, afirmou não ter autonomia investigativa e administrativa para conduzir o inquérito policial deste caso com independência e segurança institucional.

Mais à frente, o delegado ainda afirma que Milton Ribeiro foi tratado com honrarias não existentes na lei, apesar do empenho operacional da equipe de Santos que realizou a captura

No dia da operação a defesa de Milton Ribeiro chegou a pedir que ele não fosse levado para Brasília e que fizesse a audiência de forma remota, de São Paulo. O juiz do caso negou esse pedido, mas horas depois chegou ao juiz um ofício da PF alegando duas razões para não levar os presos para Brasília: falta de dinheiro e exposição dos presos

O juiz acabou aceitando, mas fez críticas à PF:

“Os órgãos públicos envolvidos com a segurança pública devem envidar os esforços necessários ao cumprimento da determinação legal, considerando que o Brasil é um Estado de Direito, no qual as leis são aplicadas a todos, indistintamente”, escreveu o juiz.

Gravação

Entre os elementos que foram analisados durante a investigação, está uma conversa gravada durante uma reunião de Milton Ribeiro com prefeitos em que ele disse que o governo federal priorizava prefeituras que solicitavam recursos por intermédio do pastor Gilmar Santos. E também afirmou que isso foi um pedido especial do presidente da República.

“A prioridade é atender primeiro os municípios que mais precisam e, em segundo, atender a todos os que são amigos do pastor Gilmar. foi um pedido especial que o presidente da República fez para mim sobre a questão do Gilmar”, diz Milton no áudio.

Em um telefonema de Milton Ribeiro, gravado com autorização da Justiça, o ex-ministro relata uma conversa que teve com Bolsonaro sobre as investigações.

Milton: “Não! Não é isso… Ele acha que vão fazer uma busca e apreensão…em casa… sabe… é… é muito triste. Bom! isso pode acontecer, né? se houver indícios, né?”, afirmou o ministro.

Os pastores Arilton Moura e Gilmar Santos também frequentavam muito o Palácio do Planalto Segundo registros oficiais, de 2019 a fevereiro deste ano, o pastor Arilton Moura esteve 35 vezes no palácio. Na maior parte das vezes, Arilton foi sozinho, mas em 10 visitas, levou junto com ele o pastor Gilmar Santos.

Após a mensagem de Bruno Calandrini relatando interferência nas investigações se tornar pública, a PF abriu uma sindicância para apurar as denúncias. E no mês passado concluiu que não houve interferência.

A corregedoria pediu o arquivamento por inexistência e/ou a insuficiência de provas e sugeriu instaurar procedimento administrativo disciplinar e uma sindicância investigativa a fim de apurar possível transgressão disciplinar do delegado do caso. g1