‘Cascatas de rumores’, um desafio para o jornalismo e usuários da web

Foi preciso acontecer uma tragédia para as pessoas descobrirem o caráter letal de um rumor transmitido em redes sociais sem uma verificação de sua veracidade. O caso da dona de casa linchada e morta em Guarujá (SP) é um sintoma dramático da urgência da sociedade tomar consciência de que ela precisa aprender a ser responsável no uso e transmissão de informações.
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A internet reduziu drasticamente o papel dos filtros na transmissão de notícias e informações. Trata-se de um fato irreversível sobre o qual não adianta lamentar a ausência de intermediários como a imprensa, à qual até agora era atribuída a responsabilidade pela filtragem das notícias, separando a boataria e a fofoca dos fatos concretos.

A desintermediação da informação trouxe enormes vantagens na medida em que aumentou a diversidade de percepções individuais sobre um mesmo fato, dado numérico ou evento. Mas também tornou possível a proliferação descontrolada de rumores, infâmias, falsificações e distorções, algumas grotescas. É impossível implantar um controle total do fluxo de dados e informações na rede, o que faz da alfabetização informativa uma necessidade urgente e universal.

Embora o jornalismo ainda tenha uma parcela de culpa na disseminação do sensacionalismo, do grotesco e do bizarro, ele não tem mais condições de funcionar como um filtro noticioso. A quantidade de dados e informações jogados na internet a cada segundo tornou-se grande demais para ser filtrada por humanos. Nem os algoritmos (softwares processadores de dados digitalizados) são capazes de cumprir essa tarefa de forma plena porque são programados por técnicos, e estes não conseguem se atualizar na mesma velocidade da avalancha informativa virtual.

Estamos, portanto, condenados a ter que nos educar em matéria de uso e disseminação de notícias, assumindo uma responsabilidade que até agora delegávamos à imprensa e organismos reguladores estatais ou privados. Esta tarefa passa a ser de cada um de nós e as consequências passam a recair também sobre as comunidades das quais participamos.

A alfabetização informativa é um processo no qual os jornalistas têm um papel insubstituível porque foram treinados para trabalhar com informações, logo têm todas as condições para capacitar o cidadão comum a saber como separar o rumor do fato e como lidar com a difusão viral de informações não checadas. Esta é provavelmente uma das novas funções dos profissionais no jornalismo do futuro.

Mas os jornalistas também precisam aprender a lidar com o que já foi batizado de cascatas de rumores, a proliferação incontrolável de um boato pelas redes sociais na internet. Uma das fontes mais importantes de informações sobre o tema é o site norte-americano Snopes, que criou 51 categorias rumores, além de oferecer ajuda para quem está em dúvida sobre a veracidade de boatos circulando pelo Facebook, por exemplo.

Em um estudo intitulado “Rumor Cascades”, quatro pesquisadores norte-americanos seguiram 250 mil rumores que circularam no Facebook entre julho e agosto de 2013 e identificaram que 62% deles eram falsos, mas os 38% que foram provados como verdadeiros se espalharam com maior velocidade e atingiram mais pessoas. O estudo também mostrou que quando um internauta descobre que o rumor que ele espalhou na internet é falso, 90% deles apagam a mensagem. O arrependimento, no entanto, se mostra pouco eficaz, porque o rumor já se espalhou e menos de 1% dos que o receberam decide também eliminá-lo.

Além disso, foi comprovado que um único rumor falso pode circular durante longos períodos na internet, algumas vezes por até oito anos, sendo lido e repassado por até 150 mil usuários da rede. Fatos como este mostram que a solução para evitar tragédias como a da dona de casa Fabiane Maria de Jesus, em Guarujá, está no início do processo de circulação de um boato. Depois que ele caiu na rede, não há mais solução. É como tentar recapturar uma a uma as penas de um travesseiro aberto em vento forte. É uma preocupação preventiva que deve mobilizar tanto os jornalistas como todos os que usam a internet.
(*) Carlos Castilho

(*) Jornalista do Observatório da Imprensa