Brasil ignora testagem e adota, às cegas, estratégia de ‘viver com a covid’

A estratégia da “covid zero” deu lugar à de “viver com a covid” na Coreia do Sul. Austrália, Nova Zelândia e Singapura, ao reduzirem as restrições, também decidiram lidar com a circulação viral. O novo plano, porém, não significa permitir a livre propagação, mas controlar o vírus por meio de dois pilares: vacinação e testagem.

No Brasil, onde mais da metade da população está com a imunização completa, a retomada das atividades esbarra justamente na falta de política de testagem —a melhor opção em termos sanitários e econômicos conforme a vacinação avança nos países, segundo especialistas.

Apesar de ser o terceiro no ranking de infecções pela doença —atrás apenas de Estados Unidos e Índia— o Brasil ocupa a 125º posição quando se trata da proporção de testes por milhão de habitantes, segundo o site wordometers.

Desde o início da pandemia, foram realizados cerca de 24,5 milhões de exames RT-PCR no país, de acordo com os dados do último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, publicado em 5 de novembro. O Brasil faz, em média, 297 mil testes para cada 1 milhão de habitantes. Na Dinamarca, país com maior proporção de testagem, essa taxa é de mais de 15 milhões de testes por milhão de pessoas —o país tem uma população de 5,8 milhões, ou seja, testa repetidas vezes as mesmas pessoas.

A orientação em muitos estados e municípios brasileiros é de que apenas casos sintomáticos sejam testados, deixando passar a grande maioria das infecções que são assintomáticas.

“Há um abismo entre o que a gente deveria fazer, e vários países estão fazendo com sucesso, e o que está acontecendo no Brasil. Eu diria que o Brasil está na pré-história das testagens”, afirma Evaldo Stanislau, infectologista no Hospital das Clínicas da FMUSP.

Austrália rastreia contaminados por meio da testagem em massa

A Austrália tentou por muitos meses manter a política de “covid zero”, mas a realização de lockdowns localizados sempre que surgia um pequeno surto se tornou inviável economicamente. Já com 90% dos adultos vacinados, o país está desde o dia 8 sem restrições de distanciamento em comércios e serviços.

Para acesso aos locais, o governo exige apenas o comprovante de vacinação completa. Mas a testagem é amplamente disseminada e o país continua investindo no rastreio de contaminados e contactantes.

O acesso ao exame é bastante simples, sendo fácil encontrar as orientações e locais para testagem no site do Ministério da Saúde do país. Por dia, a Austrália realiza pouco menos de 100 mil testes e ocupa o 40º lugar no ranking do wordometers. O Brasil só atingiu essa média de testagem nos meses de março e abril de 2021, quando houve o agravamento da segunda onda.

Esses países que adotaram uma política correta de viver com a covid diminuem o seu risco a partir do momento em que eles identificam quem está infectado e põem em quarentena. Então, eles vão de certa forma controlando o espalhamento do vírus.”Evaldo Stanislau, infectologista no Hospital das Clínicas da FMUSP

Óbvio que o vacinado tem uma chance muito pequena de ter covid grave e ele tem uma chance menor de se infectar e transmitir, mas isso não é zero. E o que estamos vendo é que temos grande circulação viral mesmo com alta taxa de vacinação.”Evaldo Stanislau, infectologista no Hospital das Clínicas da FMUSP.

Taxa de positividade ideal é de 2%; no Brasil, é de 27,54%

A taxa de positividade serve como bom indicador tanto do crescimento da doença em um país, quanto da subnotificação. De acordo com a OMS, uma taxa de positividade de 5% indica que a pandemia está sob controle, sendo abaixo de 2% o ideal.

No Brasil, esta taxa está em 27,54%, segundo o Ministério da Saúde, o que indica tanto uma circulação muito alta do vírus quanto a realização de exames apenas em sintomáticos. O mesmo é possível ver na quantidade de exames feitos ao longo do ano no país. Ao contrário do que é indicado por especialistas, o Brasil tende a diminuir a sua oferta de testes conforme os dados de casos e mortes caem. VOL