BANDIDOS ISOLADOS NA CADEIA REDUZEM O CRIME DO LADO DE FORA?

Sem contato com o mundo exterior, chefes do tráfico não têm como dar ordens, e boa parte do que acontece do lado de fora das prisões nasce atrás das grades.

Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Ceará e Goiás. Estes sete estados passaram pelo mesmo fenômeno em fevereiro deste ano: sofreram uma queda brusca no número de homicídios (ou, no caso de Pernambuco e Ceará, mortes violentas).

Essa coincidência não aconteceu nos 20 meses anteriores a fevereiro, segundo as estatísticas divulgadas pelos próprios estados. E, depois de fevereiro, o número de assassinatos nesses sete estados — que estão entre os mais populosos e com maiores índices de criminalidade do país — ficou 23% menor do que no mesmo período do ano passado, e 14% menor do que no trimestre anterior a fevereiro (novembro e dezembro de 2018 e janeiro de 2019).

A questão é: que evento causou uma queda nas mortes ao mesmo tempo em estados tão diferentes?

Homicídios e mortes violentas nos estados brasileiros Foto: Arquivo pessoal
Homicídios e mortes violentas nos estados brasileiros Foto: Arquivo pessoal

Obviamente, não foi nada feito pelos novos governos estaduais. Não houve tempo para que qualquer política de segurança implantada em janeiro fizesse efeito em no mês seguinte. No gráfico acima, é possível notar uma tendência de queda nas mortes ao longo dos dois anos da análise. Mas nada como houve em fevereiro, tão súbito e simultâneo.

Houve dois eventos em janeiro que podem explicar, ao menos em parte, essa queda. Ambos no dia 13 daquele mês: a transferência de 21 chefes da maior facção criminosa do país para presídios federais de segurança máxima e a decisão do Ministério da Justiça e Segurança Pública deproibir o contato físico durante as visitas no sistema carcerário federal.PUBLICIDADE

As duas medidas claramente incomodaram os chefes do tráfico presos nas cadeias de segurança máxima. Prova disso é que o traficante Marcinho VPdemorou menos de uma semana para reclamar do isolamento físico.

“É visível que retirar do apenado e de suas visitas familiares o direito a um simples abraço ou beijo, mantendo o contato humano só por vidro blindado e por interfone é claro isolamento, restrição de direitos, mais exatamente uma punição cruel não prevista em lei”, diz trecho do documento da defesa do bandido.

A questão, talvez, vá um pouco além de beijos e abraços. Segundo a Polícia Federal, Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, usava a companheira de um vizinho de cela, que tinha direito à visita íntima, para repassar bilhetes para seus comparsas fora da cadeia. O mesmo acontecia com chefes do tráfico no presídio federal de Porto Velho, em Rondônia.

Lei de Execução Penal prevê diversos tipos de assistência que o Estado deve fornecer ao detento: material, jurídica, à saúde, social, educacional. Não fala nada sobre assistência sexual. Em algum momento, alguém teve a péssima ideia de estender à cama o direito que o preso tem de receber a visita de parentes. E os criminosos fizeram o que criminosos fazem desde o início dos tempos: burlaram a norma para obter algum benefício.PUBLICIDADE

Sem contato físico com o mundo exterior, chefes do tráfico não têm como dar ordens. E boa parte do que acontece do lado de fora das prisões, em termos de crime, nasce atrás das grades. A cúpula das facções bandidas não está nas ruas atualmente: está na tranca. E como boa parte dos homicídios do país tem conexão com o tráfico, isolar bandidos parece uma ótima, excelente, magnífica ideia. Menos para os marginais, claro.

Na verdade, toda penitenciária do país deveria seguir as normas do sistema carcerário federal. Celas individuais, 6 metros quadrados para cada detento, roupas, material de higiene, alimentação decente, tempo para leitura e estudo — deveria haver oportunidade também para trabalho. Tudo para que o bandido possa ficar preso, caso mereça, até o Inferno congelar.