Terra avança para atingir dobro do limite de temperatura para catástrofe climática

Se mantidas as políticas climáticas hoje em curso, a temperatura deve subir 2.8ºC (também em comparação com o período anterior à Revolução Industrial).

O mundo está longe de atingir as metas estabelecidas pelo Acordo de Paris, pacto firmado entre 195 países contra as mudanças climáticas, e restringir o aquecimento global em 1,5º C em relação aos níveis pré-industriais até ao final do século. Mas, se mantidas as políticas climáticas hoje em curso, a temperatura deve subir 2.8ºC (também em comparação com o período anterior à Revolução Industrial).

O alerta aparece no Relatório de Lacuna de Emissões de 2022, do Programa das Nações Unidas para o Meio-Ambiente (Pnuma), publicado nesta quinta-feira, 27. O documento afirma que apenas uma ampla mudança nesse caminho poderia evitar o desastre climático decorrente de um mundo mais quente.

O relatório do Pnuma exemplifica e detalha o tamanho do problema além de sugerir possíveis saídas para evitar o pior. Um dos pontos críticos é a defasagem entre o que os países se comprometeram a fazer e o que, de fato, vem implementando. Desde a Cúpula do Clima (COP-26), em Glasgow, em 2021, os compromissos voluntários assumidos pelas nações para cortar emissões foram responsáveis por remover apenas 0.5 gigatoneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e) da atmosfera.

Isso é menos de 1% das emissões que devem ser lançadas na atmosfera em 2030, data limite em que países como o Brasil e os Estados Unidos devem cortar 50% de suas emissões. A União Europeia tem meta de diminuir em 55%.

Conforme o Pnuma, a maior parte dos países do G-20 começou recentemente a implementar seus planos de reduções. Coletivamente, é esperado que a meta não seja atingida sem que haja uma mudança muita expressiva de rumo. Ou seja, em oito anos é preciso fazer o que não foi feito até agora desde o Acordo de Paris, de 2015, e após a COP-26.

Brasil

O Brasil é considerado um ator importante na batalha para evitar a catástrofe climática, diante do peso do desmatamento da Amazônia na alta de emissões. Especialistas apontam que manter a floresta em pé é uma das medidas mais viáveis para conter rapidamente as mudanças climáticas sem a necessidade de investimentos gigantescos ou perdas de Produto Interno Bruto (PIB). Isso porque as atividades que levam à destruição da floresta, como o garimpo ilegal ou a venda irregular de madeira, são pouco relevantes para a balança comercial brasileira.

Nos últimos anos, porém, o bioma tem visto uma escalada das taxas de devastação e dos incêndios, o que fez o governo Jair Bolsonaro ser alvo de cobrança interna e no exterior. Representantes do mercado estrangeiro também ameaçam impor sanções aos produtos do agronegócio brasileiro ou exigir certificados de origem limpa como forma de pressionar pela queda no desmate.

Caminho a ser escolhido

Para atingir as metas e entrar no caminho, o relatório aponta medidas a serem adotadas na cadeia de geração de energia, indústria do transporte, construção, alimentação e no sistema financeiro internacional. O setor energético é onde estão algumas das maiores oportunidades, com a perspectiva gradual de redução dos custos de investimentos em fontes renováveis e sustentáveis, como energia solar e eólica.

Entre todos os setores, as principais ações para avançar na transformação incluem medidas como evitar ficar preso ao desenvolvimento de novas infraestruturas baseadas em combustíveis fósseis, avançar ainda mais nas tecnologias de carbono zero, estruturas de mercado e planejamento para uma transição justa, aplicar tecnologias de emissão zero de gases de efeito estufa e estimular mudanças comportamentais para sustentar essa transição.

As transformações que podem ser implementadas no setor de produção de alimentos, responsável por cerca de um terço do total de emissões globais, por exemplo, podem fazer com que ele chegue a 2050 com emissões em nível 33% menor do que as atuais. Não fazer nada, no entanto, resultará em quase o dobro de geração de gases do efeito estufa em relação aos níveis atuais.

Espera-se que uma transformação global para uma economia de baixo carbono exija investimentos de pelo menos US$ 4 trilhões a US$ 6 trilhões por ano. Esta é uma parcela relativamente pequena (1,5% a 2%) do total de ativos financeiros administrados, diz o relatório, mas ainda assim mobilizar esses recursos exigirá mudanças fundamentais no mercado financeiro global.

Há alguns avanços em curso. Em relatório publicado nesta semana, a Agência Internacional de Energia afirmou que os investimentos em energia limpa atingiram US$ 1,3 trilhão – superando o montante reservado para combustíveis fósseis, que receberam cerca de US$ 1 trilhão.

“Mesmo com as políticas atuais, até 2030, investimentos em energia limpa vão atingir US$ 2 trilhões”, afirmou o diretor executivo da agência, Fatih Birol. Segundo ele, “isso é dinheiro de verdade posto na mesa”.

Entre as mudanças necessárias, há outras medidas, como tornar os mercados financeiros mais eficientes e transparentes, introduzir a precificação do carbono, bem como a taxação de produtos. Além disso, os cientistas incentivam mobilizar os bancos centrais para que tomem medidas mais concretas em relação ao assunto e criar instâncias de cooperação entre os países para a descabonização de suas economias.