Europa quer criar ‘gêmeas’ virtuais da Terra para previsão climática

As especificações para o lançamento do Destination Earth (Destino Terra, em inglês), que já é mais conhecido simplesmente por DestinE, serão divulgadas nas próximas semanas, mas os europeus já adiantaram que a construção deve começar em 2021 e as primeiras operações, em 2023.

A ideia é que o sistema, ao analisar e interpretar em tempo real um volume até agora inédito de variáveis que influenciam no comportamento climático, consiga antever com confiança – e também com muita antecedência – a ocorrência e evolução de diferentes tipos de fenômenos, como secas, enchentes e grandes tempestades.

Além de dados concretos sobre o estado da Terra, como informações da atmosfera e dos oceanos, a iniciativa quer integrar indicadores de comportamento humano às simulações.

Isso ajudaria os especialistas a avaliarem os impactos de eventos extremos e das mudanças climáticas na sociedade. Seria possível, por exemplo, identificar a probabilidade de migrações causadas pela elevação das temperaturas em uma determinada região.

Na descrição da Comissão Europeia, o projeto irá “debloquear o potencial da modelagem digital dos recursos físicos da Terra e de seus fenômenos relacionados”, ajudando no planejamento para a transição para uma economia verde e nas políticas públicas europeias.

Não por acaso, o Destination Earth terá, quando implementado plenamente, a maior parte de seus dados abertos. Isso permitirá que cientistas, governos e até empresas façam suas próprias simulações, antevendo, por exemplo, quais seriam os possíveis impactos de uma determinada política pública ou climática no ambiente.

De aviões de combate a grandes indústrias, existem gêmeos digitais em diversos segmentos. Construir um planeta inteiro, no entanto, eleva o desafio para um outro patamar.

“Acho que todo mundo que trabalhava nesta área já pensava nisto. Mas por que não se fez isso antes, já que computadores de alto desempenho já existem há algum tempo? Porque faltavam alguns ingredientes”, avalia Pedro Leite da Silva Dias, diretor do IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas) da USP e um dos principais nomes da área de climatologia e supercomputação no Brasil.

“Um dos elementos é a inteligência artificial, que evoluiu tremendamente nestes últimos anos e faz uso da computação de alto desempenho. Quando você tem uma montanha de dados, bilhões de bilhões de bilhões deles, não se consegue ter uma ideia geral. Então, você precisa da computação de alto desempenho não só para fazer os cenários, mas também para analisá-los”, completa.

Pelos planos europeus, o DestinE englobará diferentes gêmeos terrestres. Enquanto um fará o monitoramento em tempo real para previsão do tempo, outros poderão simular cenários climáticos para curtou ou longo prazo, além de fazer outros cálculos desejados pelos cientistas.

“Se eu mudar um parametrozinho dentro de um modelo, a coisa vai para um rumo diferente. Se eu mudar um dado inicial no início da simulação, também muda as coisas. Como eu resolvo este problema? Fazendo previsões chamadas probabilísticas. Ou seja: eu vou fazer uma montanha de previsões e eu vou analisar este enorme conjunto de dados através de inúmeras simulações”, detalha o diretor do IAG-USP.

A opção por ter no Destination Earth uma resolução de imagens bastante alta – cerca de 1 km, enquanto os modelos tradicionais variam entre 100 km e 50 km– vai permitir, que o sistema trabalhe com uma alta escala de detalhes.

Será possível, entre outras coisas, o monitoramento direto do transporte de calor na formação das nuvens. Algo que, até agora, é feito por estimativa, mas que tem um impacto elevado na previsão do comportamento de grandes tempestades, por exemplo.

Tanta qualidade nas imagens e no volume de dados precisará vir acompanhada de uma grande capacidade de processamento.

Serão integrados três supercomputadores europeus na tarefa: um na Itália, um na Espanha e outro na Finlândia.
O orçamento para o projeto ainda não foi fechado, mas, com base no programa anterior de supercomputação climática em que ele foi baseado, a empreitada deve ficar acima dos 5 bilhões de euros na próxima década.

Se os planos da Comissão Europeia se concretizarem, as duas primeiras gêmeas terrestres já estarão em funcionamento em 2023. Em 2025, o plano é ter 4 ou 5 clones virtuais do planeta operando, com direito a serviço de monitoramento e avaliação de impactos do clima.

Além dos meios técnicos, o DestinE também ajudará a formar uma nova geração de cientistas ligados a área climática.

Clones virtuais para ajudar a prever futuro climático do planeta
Projeto de Destination Earth quer criar “gêmeas digitais”, com big data, inteligência artificial, computação na nuvem e machine learning, para antecipar o comportamento do clima na Terra.

O projeto Destination Earth

– Usando três supercomputadores espalhados pelo continente, a União Europeia pretende construir várias ‘gêmeas digitais’ da Terra
– Através da combinação de quantidade sem precedentes de dados em tempo real, como nível dos oceanos, taxas de degelo e informações atmosféricas, os algoritmos poderão prever com bastante previsão o comportamento do clima Ideia é conseguir adiantar em dias, e em alguns casos até em anos, a previsão para grandes enchentes, secas e outros eventos que impactam diretamente a vida no planeta
– Haverá ‘gêmeos terrestres’ dedicados à previsão meteorológica de curto prazo, a eventos extremos e outros no comportamento de longo prazo do clima da Terra – Projeto pretende ser de acesso simplificado, permitindo que a sociedade possa utilizar as previsões feitas pelos computadores para embasar tomada de decisões quanto ao clima

Funcionamento
– Primeiras máquinas devem começar a operar em 2021
– Implementação será gradual nos próximos 7 a 10 anos
– Projeto será integrado em outras iniciativas europeias, incluindo o programa espacial e a estratégia de descarbonização da EU, batizada de Green Deal.