Será o real digital?

Quantas notas de dinheiro ou moedas você tem na carteira? Provavelmente não muitas. Nesse mundão cada vez mais digitalizado, as moedas não estariam de fora desse processo. Conforme o Banco de Compensações Internacionais (BIS), cerca de 86% dos Bancos Centrais (BCs) internacionais ao redor do mundo têm interesse em uma moeda digital; enquanto 60% dessas instituições já estudaram ou estudam a possibilidade de lançá-la. Por trás dessa corrida está a visão de que o sistema financeiro do futuro será mais digital e menos físico, o que deve trazer impactos para as atividades econômicas.

E parece ser a vez do Brasil surfar essa onda. Em maio, o Banco Central divulgou as diretrizes gerais para o lançamento do real digital, também chamado Central Bank Digital Currencies (CBDC). Na visão do BC, o real digital permitirá o desenvolvimento de novas tecnologias e funcionalidades, o que promete baratear operações de pagamento e ampliar as possibilidades de transações.

Não confunda real digital com criptomoeda

Para os entusiastas de plantão, adianto: o real digital não é uma criptomoeda. Embora o conceito seja parecido, no sentido do trânsito virtual, eles são bem diferentes. O bitcoin é um ativo financeiro com valor na base da oferta e da procura, enquanto o real digital tem emissão por uma autoridade monetária (o Banco do Brasil) com segurança criptografada via blockchain. Portanto, o CBDC é uma divisa com lastro na própria moeda — nesse caso, o real — enquanto o bitcoin não possui nenhum lastro.

Outra diferença é que o real digital terá a tutela de instituições financeiras. Em outras palavras, o saldo estará sempre dentro de um banco e as transações financeiras ocorrerão por intermédio do sistema bancário. Dessa forma, não será possível fazer transferências e pagamentos sem passar pelo sistema bancário, como ocorre hoje com criptomoedas.

Ok. Mas como funcionará essa parada?

Para você entender de vez o real digital, vamos imaginar um dia na vida do nosso personagem fictício Pedro. Inicialmente, ele tem uma conta na Grafeno e guarda sua grana digital lá, como fez com o real convencional durante toda sua vida. O Pedro faz transferências mensais via PIX ou TED para seu fornecedor (também fictício) Papitur.

Agora, pense que alguns anos depois, o real digital evoluiria tanto que o Pedro poderia entrar no mercado com um smartphone, que se conectaria à rede do estabelecimento, colocaria seus produtos no carrinho e simplesmente sairia pela porta da frente, já que o pagamento é automático.

Tem mais? Opa!

Além de evitar aquelas situações inconvenientes, como esquecer dinheiro no bolso e colocar a roupa para lavar ou o cachorro achar que sua carteira é brinquedo, o real digital tende a inibir a ação física de ladrões, visto que a circulação da moeda em papel seria muito menor.

Indo mais adiante: por depender de um órgão emissor e possuir tecnologia de ponta em sua segurança, o real digital deve reduzir as chances de crimes como lavagem de dinheiro, remessas ilegais e falsificação de cédulas.

Outra vantagem para a população em geral é a garantia de não perder todo seu dinheiro se uma instituição bancária quebrar. Parece uma situação distante da realidade, não é? Mas você se lembra da crise imobiliária dos Estados Unidos em 2008, durante a qual instituições gigantes como Lehman Brothers foram à falência? Pois bem. Quando o dinheiro convencional fica depositado em um banco, seu maior risco será de este estabelecimento falir. Já no caso do real digital, por ser emitido pelo próprio Banco Central, o risco é soberano, ou seja: você só perderia seu suado dinheiro se o país inteiro quebrar — o que é bem mais difícil de acontecer. 

Seguindo além do óbvio, a expectativa do Banco Central é de que o real digital possa baratear serviços no próprio sistema financeiro, como a transferência de recursos para o exterior — claro, desde que haja acordo com outros países envolvidos.

Diante dessas prerrogativas virtuais, devem surgir oportunidades como carteiras digitais, empréstimos semiautomatizados e oferta de investimentos mais sofisticados diretamente no mobile, além da integração de marketplaces.

Agora, o BC abrirá consultas públicas à sociedade nos próximos meses para lançar a nova moeda em dois ou três anos. Até lá, é como eu sempre digo: esses mecanismos estão aí para revolucionar o mercado bancário no Brasil e dependem mais da criatividade das instituições financeiras e empresas para seu uso do que entraves tecnológicos. O céu é o limite.

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Paulo David é fundador e CEO da Grafeno, fintech que oferece contas digitais e infraestrutura de registros eletrônicos para empresas e credores; e é sócio do SPC Brasil na construção de infraestrutura para o mercado financeiro. Antes da Grafeno, fundou a Biva, primeira plataforma de empréstimos peer-to-peer do Brasil, adquirida pela PagSeguro, empresa de meios de pagamentos. Foi superintendente do Sofisa Direto, a divisão digital do banco Sofisa. Atuou na equipe do Pinheiro Neto Advogados, e na equipe da gestora de investimentos KPTL (ex-Inseed Investimentos). É investidor-anjo em fintechs no Brasil e na Europa.