Temor com novo coronavírus derruba bolsa e faz dólar disparar

Para quem temia a possibilidade de acionamento de ‘circuit breaker’, a perda de 7% registrada pelo Ibovespa nesta Quarta-feira de Cinzas não chegou a ser um alívio, tendo em vista a evaporação de quase 8 mil pontos na sessão. Ao final, dos males talvez o menor, considerando a forte correção observada em ADRs brasileiras desde a última segunda-feira, em meio à disseminação do coronavírus fora da China e ao primeiro caso confirmado da doença no Brasil.

Em pontos, foi a pior perda desde que entrou em vigor a atual metodologia, em março de 1997, e, em porcentual, foi a maior queda desde 18 de maio de 2017, o estouro da delação da JBS, o “Joesley Day”, quando a Bolsa fechou em baixa de 8,8%.O ajuste de hoje colocou o Ibovespa próximo ao nível de 19 de novembro passado, quando o principal índice da B3 fechou aos 105.864,18 pontos.

Após abertura em queda de 4,8% nesta quarta-feira, as perdas se acentuaram a partir do meio da tarde, com a recuperação ensaiada mais cedo em Nova York, onde os três índices de referência operavam em alta de 1,5%, dando lugar a baixa de até 0,6% no Dow Jones, no dia em que os EUA confirmaram o 15º caso da Covid-19 no país, mantendo a doença como o principal fator de risco sobre a economia global.

Assim, tendo resistido no começo da sessão acima dos 107 mil pontos, o principal índice da B3 fechou o dia aos 105.718,29 pontos, em queda de 7,00%, acumulando agora perda de 8,58% no ano e de 7,07% no mês de fevereiro. Elevado, o giro financeiro totalizou 33,1 bilhões em sessão mais curta, iniciada às 13h. Na mínima do dia, o Ibovespa tocou a marca de 105.052,80 pontos, tendo fechado a última sexta-feira aos 113.681,42 pontos – no encerramento de hoje, a perda foi de 7.963,13 pontos na sessão.

Na ponta negativa do dia entre os componentes do Ibovespa, Gol fechou em queda de 14,31% e Azul, de 13,30%. Todas as ações que integram o índice de referência da B3 fecharam o dia em baixa. As ações da Petrobras tiveram perdas em torno de 10%, com a PN em queda de 10,05% e a ON, de 9,95%. Vale ON cedeu 9,54%.

“Esperava-se algo ainda pior e mais volatilidade, mas o fôlego parcial observado em Nova York e parte da Europa na sessão contribuiu para limitar os danos, especialmente visíveis em ações de exportadoras, como Vale, siderurgia, papel e celulose”, diz Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos. Em NY, o Dow Jones fechou hoje em baixa de 0,46% e o S&P 500, de 0,38%, com o Nasdaq em leve alta de 0,17%.

Ele aponta que, além da incerteza em torno do coronavírus e da fraqueza dos dados econômicos domésticos, o novo sinal de deterioração do relacionamento do presidente Jair Bolsonaro com o Congresso tende a estreitar a margem para a recuperação das ações brasileiras. “Este endosso de Bolsonaro à manifestação do próximo dia 15 contra o Congresso dificulta a interlocução entre os poderes e alonga um pouco o caminho das reformas”, diz Arbetman. “Além dos outros fatores de risco, temos também agora efervescências políticas”, acrescenta.

Hoje, em nova máxima nominal, o dólar à vista foi negociado a R$ 4,4475, apesar da indicação do BC de novas atuações por meio de contratos de swap – ao final, a moeda americana fechou a R$ 4,4413, novo recorde de fechamento, em alta de 1,11%. Dessa forma, combinando a variação negativa acumulada pelo Ibovespa, que retrocedeu hoje a níveis não observados desde meados de novembro, e a progressão da moeda americana, o índice, dolarizado e nominal, tende a ficar mais atraente, o que pode contribuir para moderar a “fuga de capitais estrangeiros” da Bolsa, aponta Arbetman.

Com menos pessoas viajando por causa do temor da doença, ações de companhias aéreas tiveram forte queda – Arquivo

Dólar

O dólar voltou do feriado de carnaval em forte alta e fechou a quarta com novo recorde histórico, em meio à rápida disseminação do coronavírus, com casos já registrados em diversos países, incluindo no Brasil. O Banco Central injetou US$ 500 milhões em swap cambiais (venda de dólares no mercado futuro) em leilão anunciado antes da abertura do mercado e prometeu mais US$ 1 bilhão para a quinta-feira.

Entretanto, a ação não impediu o real de apresentar o pior desempenho em uma cesta de 34 moedas internacionais nesta quarta-feira, embora operadores tenham ressaltado que se não fosse a estratégia do BC, a valorização da moeda americana poderia ter sido ainda mais forte. O dólar encerrou o dia em alta de 1,11%, a R$ 4,4413.

Profissionais do mercado de câmbio destacam que o movimento nesta quarta do câmbio foi um ajuste em relação aos dias que o mercado ficou fechado aqui e o dólar subiu no exterior. O dólar teve novo dia de alta lá fora, com investidores buscando proteção na moeda americana.

Com a tensão externa, o cenário político doméstico ficou em segundo plano, mas foi monitorado de perto pelas mesas de operação. O temor é que o convite de Jair Bolsonaro, enviado para amigos no Whatsapp, para uma manifestação contra o Congresso no dia 15 de março, atrapalhe o avanço das reformas.

“É o impacto global do coronavírus, o mercado mundial está reprecificando o risco”, afirma o presidente da BGC Liquidez, Ermínio Lucci. Ele observa que o avanço do coronavírus para fora da China pegou os mercados em níveis recordes, o que desencadeou um movimento forte de ajuste com a visão de que o crescimento mundial vai inevitavelmente ser afetado. Por isso, a expectativa agora é ver como os governos, especialmente na Ásia e Europa, vão reagir, lançando mão de políticas fiscais e monetárias. Nos EUA, o mercado já vem precificando ao menos dois cortes de juros este ano. Já a Alemanha deve adotar medidas fiscais.

No Brasil, fontes do governo ouvidas pelo Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) disseram que o crescimento deste ano deve ser revisado para baixo. A previsão oficial é de expansão de 2,4%.

Na avaliação do economista-chefe em Nova York para América Latina do grupo financeiro ING, Gustavo Rangel, a dúvida é quanto tempo a epidemia do coronavírus vai durar, mas por enquanto a expectativa é de piora e de impacto negativo no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.

Com menor crescimento, a chance de o real ficar ainda mais depreciado nos próximos meses aumentam significativamente, afirma ele, destacando que ainda não revisou sua projeção para o câmbio, porque os efeitos ainda não estão claros.

Juros

Como esperado, a Quarta-feira de Cinzas foi de forte correção nos ativos domésticos ao estresse visto nos mercados internacionais nos últimos dias, com aumento da inclinação da curva a termo. A rápida disseminação do coronavírus, agora pela Europa, e o primeiro caso da doença confirmado no Brasil acentuaram o ajuste nos preços, com o aumento da busca pela segurança, pressionando o rendimento dos Treasuries, penalizando moedas emergentes e pressionando para cima os juros de longo prazo. Porém, diante da percepção de que os impactos sobre a atividade devem resultar num movimento de injeção de liquidez global por parte dos bancos centrais, o comportamento das taxas futuras foi considerado até limitado em relação ao que se viu nas ações e no câmbio. As taxas curtas oscilaram ao redor da estabilidade durante toda a sessão e os longos subiram em torno de 15 pontos-base.

Internamente, na sequência dos rumores de saída do ministro Paulo Guedes na semana passada, novos ruídos políticos trouxeram desconforto e só não fizeram mais preço em função da gravidade da situação relacionada ao coronavírus. O presidente Jair Bolsonaro compartilhou durante o carnaval vídeo pelo WhatsApp, de convocação à população para os protestos de teor anti-Congresso Nacional, agendados para 15 de março.

A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2021 fechou em 4,195% (regular) e 4,200% (estendida), de 4,185% no ajuste de sexta-feira, e a do DI para janeiro de 2022 encerrou a 4,76% (regular) e 4,77% (estendida), de 4,681% no ajuste anterior. O DI para janeiro de 2025 encerrou com taxa de 6,19% (regular) e 6,20% (estendida), de 6,062% no último ajuste, e a do DI para janeiro de 2027 avançou de 6,471% para 6,63% (regular) e 6,65% (estendida).

Nesta sessão mais curta, as taxas já abriram pressionadas pela correção ao exterior, na medida também que o dólar avançava, mesmo com as intervenções extraordinárias anunciadas pelo Banco Central no câmbio. Enquanto isso, o dia era de recuperação em Wall Street, com alta nas Bolsas e Treasuries operando de forma mista. No meio da tarde, porém, o nervosismo voltou a prevalecer lá fora, levando os vencimentos de médio e longo prazos da curva local, mais expostos à piora da percepção de risco externo, a renovarem máximas, na medida em que os Treasuries sucumbiam, com os rendimentos acelerando a queda em função da busca pela segurança, que também penalizou moedas emergentes.

Os efeitos da epidemia são preocupantes não pela letalidade do vírus, considerada baixa, mas pelo potencial de estragos na economia, ao afetar oferta e demanda por produtos e serviços. Com isso, cresce a expectativa por mais injeção de liquidez até por parte do Federal Reserve, na medida em que a curva dos Treasuries segue invertida, indicando recessão à frente. “Mesmo que o nervosismo com o vírus diminua, o mercado de títulos obrigará o Fed a reduzir as taxas”, afirma Edward Moya, analista de mercado da Oanda em Nova York. Hoje, segundo a Bloomberg, foi confirmado mais um caso em território americano, chegando a um total de 15.

Diante da disseminação da epidemia, no Brasil, um integrante da equipe econômica reconheceu que o cenário “piorou bastante” e o governo está considerando refazer a sua projeção de crescimento para 2020, de 2,4% do PIB.

Nesse contexto, o Banco Central pode se ver obrigado a rever sua sinalização de interrupção no ciclo de afrouxamento da Selic. “Nos DIs curtos, o impacto do estresse no exterior foi reduzido porque, do ponto de vista macro, com a economia desaquecendo, o viés é deflacionário, e pode levar o Copom a voltar atrás no que tinha indicado e dar mais estímulo monetário”, avaliou o estrategista de Mercados da Harrison Investimentos, Renan Sujii

Com o coronavírus sendo a preocupação mais urgente, a repercussão do vídeo compartilhado por Bolsonaro nos preços dos ativos foi moderada, mas segue no radar dado o potencial de gerar crise entre os Poderes. “As questões locais têm sido relegadas a segundo plano, mas podem ganhar tração especialmente quando o Congresso voltar a discutir as reformas na semana que vem. Por enquanto, como a reação é só retórica, não está nos preços efetivamente”, afirmou o economista-chefe da Guide Investimentos, João Mauricio Rosal.

Na pesquisa Focus divulgada excepcionalmente hoje, as medianas para IPCA, PIB e Selic tiveram pouca ou nenhuma mudança. A expectativa para a inflação este ano caiu de 3,22% para 3,20% e a do PIB, de 2,23% para 2,20%. A projeção de Selic manteve-se em 4,25%. Correio do estado