Sertanejo perde terreno: por que o estilo deixou de ter os artistas mais ouvidos do Brasil?

Astros do forró de teclado tomam liderança pela 1ª vez no YouTube. Críticos apontam falta de renovação; maior empresário sertanejo diz que baixa vai passar e pisadinha ‘não veio para ficar’.

Por Rodrigo Ortega e Marília Neves, G1


Caras novas aparecem no pódio musical do Brasil. Os sertanejos deixaram de aparecer entre os artistas mais ouvidos no YouTube pela primeira vez desde que o ranking foi criado, em 2018. Reinam hoje no streaming astros do funk e, principalmente, da pisadinha – o forró feito no teclado.

ausência inédita de sertanejos no top 3 da parada semanal do YouTube começou no início de maio. E piorou: na semana seguinte, eles saíram do top 5. No ranking atual, a melhor posição sertaneja é de Marília Mendonça, em 7º. Ela liderava até os Barões da Pisadinha tomarem o topo no fim de 2020.

G1 já explicou de várias formas como o funk e o forró crescem com produções eletrônicas vibrantes de Barões da Pisadinha, DJ IvisZé VaqueiroMC Don Juan e outros que hoje ocupam o topo.

E o sertanejo? Será uma crise no setor mais produtivo da indústria musical brasileira ou só uma pausa antes de voltar a colher os frutos preferidos do mercado? Empresários, artistas e críticos respondem e analisam o cenário. Entre consensos e divergências, há cinco pontos principais:

  1. Grandes shows são uma peça crucial na engrenagem sertaneja. Sem eventos na pandemia, cai a divulgação das músicas e a renda potencial. As lives aliviaram, mas não substituíram.
  2. Mas funk e pisadinha também não dependem de shows? Sim, mas em menor escala, e mais adaptados ao digital – seja na produção eletrônica de músicas ou no seu consumo na internet.
  3. Cifras à parte, no campo artístico esses estilos eletrônicos ousam, misturam e criam sons que caem na boca do povo. E há quem veja o sertanejo acomodado, com pouca renovação criativa.
  4. Há quem não veja falhas criativas, mas só o mercado sertanejo segurando lançamentos e investimentos em divulgação (inclusive o velho “jabá” para rádios) até os shows voltarem.
  5. Enquanto alguns projetam que a volta dos shows vai retomar a velha ordem, e que a pisadinha é passageira, para outros o futuro é imprevisível e as inovações eletrônicas, poderosas.

1 – Sem show não rola

Sem grandes eventos pelo Brasil, a roda gigante do sertanejo não gira como deveria. É isso que explica o maior empresário do gênero no país, Wander Oliveira. Ele é dono da Workshow, escritório que gerencia carreiras de Marília Mendonça, Henrique & Juliano, Zé Neto & Cristiano e outros ídolos.

“Uma grande parte da receita vem de shows. E a gente até hoje não perspectiva de retorno”, diz Wander, que chamou as estrelas para conversar. “Sentei com os artistas, com Marília, Maiara, Zé Neto, Juliano, todo mundo, e a gente optou por segurar os lançamentos”, conta o empresário.

Não há uma estrutura musical no Brasil comparável ao sertanejo, diz André Izidro, dono da agência musical Atabaque. “Produção, estrutura, tudo é muito maior. E o combustível é grande. O sertanejo bota muita grana, mas também o retorno é forte com show. Sem esse retorno, não faz muito sentido.”

“Outros estilos da indústria você consegue rodar mais só com digital. Consegue produzir sem depender de tanta estrutura. Quando vai para o sertanejo, é outra coisa”, diz André.

2 – Concorrência dinâmica

“O Brasil é feito de interiores. O país é gigante, e os artistas sertanejos já saem com um investimento de carreira absurdo. Era difícil disputar com eles”, descreve Kamilla Fialho empresária de funk, que trabalhou com Anitta e hoje faz a carreira de Kevin o Chris evoluir.

“Mas eles não tinham o costume de usar a internet como principal plataforma de divulgação”, diz Kamilla. Isso fez a diferença quando a fonte dos shows secou, todo mundo foi pra casa, e as dancinhas do TikTok viraram a nova mina de ouro da música.

Ganhou quem rebolou junto – e rápido. Kamilla fez parcerias com influenciadores do TikTok para ajudar a bombar “Tipo Gin”, de Kevin O Chris. A faixa disparou para o top 10 do Spotify. O ranking atual é dominado por funk e pisadinha, e tem só duas faixas sertanejas – no início de 2020, eram seis.

Acima: Barões da Pisadinha, Zé Vaqueiro e DJ Ivis estão em alta no YouTube. Abaixo: Marília Mendonça, Gusttavo Lima e Henrique e Juliano, que já lideraram, estão em baixa — Foto: Divulgação

Acima: Barões da Pisadinha, Zé Vaqueiro e DJ Ivis estão em alta no YouTube. Abaixo: Marília Mendonça, Gusttavo Lima e Henrique e Juliano, que já lideraram, estão em baixa — Foto: Divulgação

No YouTube, o fenômeno das lives ajudou a manter os sertanejos topo no início da pandemia, até os brasileiros se cansarem das transmissões. No final de 2020, o reinado de Marília Mendonça e Gusttavo Lima foi derrubado pelo duo baiano Barões da Pisadinha.

Além dos Barões, cresce o cantor pernambucano de pisadinha Zé Vaqueiro, com músicas produzidas pelo paraibano DJ Ivis. O líder atual é o próprio Ivis, também cantor. Ele explica que o estilo domina melhor o universo digital não só na divulgação das músicas, mas na própria produção.

“Com a chegada da pandemia, girou a catraca, rodou a roda gigante e ficou mais fácil produzir o forró eletrônico. Pela ‘falta de música’, falta de conteúdo mais ágil, o forró eletrônico tomou espaço que estava aberto e entrou nessa brecha”, diz o DJ Ivis.

“Você vai no estúdio, grava, coloca a voz, solta, faz um vídeo, tchau. As bandas pequenas tiveram mais acessibilidade ao mundo digital. Para um artista grande, seja ele sertanejo ou forró, precisa um tempo maior. Gravadora é muita burocracia. Nesta brecha a pisadinha tomou a frente”, diz Ivis.