Pode faltar diesel no Brasil? O que acontece em caso de escassez? Entenda

Cerca de 30% do combustível é trazido de fora do país, mas preços abaixo do valor do mercado internacional trazem prejuízo aos importadores. Saiba quais são as alternativas do governo e da Petrobras.

O Brasil tem lidado há meses com a disparada dos preços dos combustíveis. A isso se somaram, recentemente, temores de que venha a faltar diesel no país.

No fim de maio, tornou-se pública uma reunião em que a Petrobras levou ao governo a informação de que havia risco de desabastecimento de diesel no país caso a empresa não praticasse por aqui os preços de mercado internacional.

A preocupação é resultado de um impasse: para conter os preços dos combustíveis, a Petrobras tem desrespeitado a política de paridade de importação (PPI), atrasado os reajustes e permitido que o valor final fique abaixo da média praticada no exterior.

E, ao vender diesel por preço menor que o mercado, a petroleira desestimula empresas importadoras a trazer diesel de fora. Isso porque, para elas, é preciso vender com prejuízo para competir com a Petrobras.

Em momentos de alta demanda pelo combustível, cerca de 30% do abastecimento é preenchido pelo diesel importado.

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Sem esse reforço, há duas possibilidades:

  • encarar a explosão dos preços por falta de produto (com reforço da inflação em toda a cadeia);
  • ou forçar a Petrobras a assumir o prejuízo na importação, prejudicando a estratégia da própria empresa.

g1 consultou especialistas do setor de energia e economistas para entender o que pode acontecer daqui para a frente.

  1. Por que o preço do diesel subiu tanto?
  2. O preço do diesel é mais baixo no Brasil que no exterior?
  3. Vai faltar diesel no Brasil?
  4. Se há estoque de diesel, por que há preocupação?
  5. Quanto representa o diesel importado no total?
  6. O que acontece se faltar diesel no país?
  7. O que a Petrobras pode fazer para que não falte diesel no país?
  8. A proposta de reduzir o ICMS pode resolver o problema?

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Valdo: Falta de reajuste pode gerar desabastecimento, diz Petrobras

Por que o preço do diesel subiu tanto?

Desde 2016, ainda na gestão de Pedro Parente, a empresa adotou o preço de paridade de importação (PPI) para definir o preço da gasolina e diesel nas refinarias. O PPI é orientado pelas flutuações do preço do barril de petróleo no mercado internacional e pelo câmbio.

Com a pandemia do coronavírus, os combustíveis sofreram seguidos choques com o aumento dos preços do petróleo no mercado internacional e também com o real desvalorizado frente ao dólar.

Em 2022, a guerra na Ucrânia e as sanções ao petróleo da Rússia reforçaram ainda mais a pressão de inflação sobre os combustíveis.

Mesmo com reajustes mais esporádicos, os três presidentes da Petrobras da gestão de Jair Bolsonaro seguiram a lógica de mercado para definição dos preços. Em 12 meses, o diesel acumula alta de 53,5% e a gasolina de 31,2%, segundo o IBGE.

O preço do diesel é mais baixo no Brasil que no exterior?

No último relatório da Associação Brasileira de Importadores de Combustíveis, divulgado na terça-feira (7), a defasagem média do preço brasileiro do óleo diesel é de -13%, enquanto da gasolina é de -15% em relação à média internacional.

Em valores, isso significa uma perda de R$ 0,77 para cada litro de diesel e de R$ 0,67 para a gasolina.

Para as empresas importadoras, essa defasagem causa prejuízo na operação. Então, elas esperam ao máximo o momento em que a Petrobras vá reajustar os seus preços para comprar combustível, esperando que a competição seja de igual para igual.

Vai faltar diesel no Brasil?

É difícil cravar uma resposta, pois os dados de estoque das empresas não são públicos. No dia 27, o Ministério de Minas e Energia afirmou que o país tinha suprimento suficiente para 38 dias.

Especialistas consultados pelo g1 dizem que essa quantia é adequada. As empresas não fazem grandes estoques de combustível porque há custo para esse armazenamento e o valor mais alto do combustível no mercado internacional também desacelera as compras.

“Esse estoque serve para eventuais problemas de ruptura de fornecimento ou demanda muito grande por conta de algum choque”, explica Helder Queiroz, ex-diretor da ANP e professor de economia da UFRJ.

Não vai faltar se importadores puderem trabalhar sem problemas, mas as empresas estão deixando de importar por conta da defasagem de preço e o burburinho em cima da questão dos combustíveis”, diz.

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Escalada no preço do óleo diesel impacta setores logísticos

Se há estoque de diesel, por que há preocupação?

Para David Zylbersztajn, ex-diretor-geral da ANP e professor da PUC-Rio, a preocupação com os estoques se justifica por dois motivos:

Primeiro, o segundo semestre traz uma pressão natural ao mercado de energia, pois junta a temporada de colheita da safra agrícola no Brasil com condições adversas de exportadores.

“Nos Estados Unidos — de onde vem boa parte do nosso diesel importado — há sempre chance de furacões, que diminuem a produção das refinarias. E há estocagem para o inverno no hemisfério norte”, diz.

Com esse potencial de pressionar a demanda por diesel, diz ele, seria interessante ter prudência.

Por fim, ele lembra que o mundo todo passa por um momento de choque de preços de energia, com temperatura alta no cenário geopolítico. Um novo aumento no mercado internacional pode agravar ainda mais o impasse de importação do diesel.

Quanto representa o diesel importado no total?

Os analistas dizem que, a depender da época do ano, o percentual pode variar de 25% a 30% de todo o diesel do país.

O que acontece se faltar diesel no país?

Além de (mais) uma alta natural do preço do combustível, segundo o economista Alexandre Chaia, professor do Insper, uma situação de desabastecimento de diesel causaria um efeito semelhante ao que ocorreu com a greve dos caminhoneiros em 2018.

Isso porque a matriz brasileira de transporte de carga é essencialmente rodoviária, e caminhões e veículos de transporte de carga dependem exclusivamente do combustível.

“As empresas teriam que selecionar o que transportar. Isso geraria um repique da inflação, porque os produtos passam a faltar na prateleira do mercado e, consequentemente, ficarão mais caros”, explica Chaia.

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Blog da Ana Flor: Troca no comando da Petrobras deve levar ao menos 30 dias

O que a Petrobras pode fazer para que não falte diesel no país?

Petrobras tem dois caminhos possíveis: voltar a seguir os preços do mercado internacional e estimular a concorrência com as importadoras, ou assumir a importação com prejuízo do diesel que será deixada de lado.

Para os especialistas ouvidos pelo g1, a primeira opção é a única viável, pois abraçar o prejuízo seria inadmissível.

“Seria um custo enorme para a empresa. Uma interferência forte na estratégia, com impacto para os acionistas — inclusive o governo federal. Isso indicaria uma inflexão nas condições de mercado atuais”, diz Helder Queiroz, da UFRJ.

Para Zylbersztajn, a Petrobras poderia, inclusive, dar uma sinalização mais clara de que não pretende abandonar o PPI. “Essa estratégia de segurar os preços não dá certo. Se não tem queda, é preciso impor um aumento enorme de uma vez só, como aconteceu no último ajuste.”

Em março, depois de 57 dias sem reajustes, a Petrobras aumentou em 24,9% o preço do diesel para as distribuidoras. Desde então, são 90 dias sem mudanças.

A proposta de reduzir o ICMS pode resolver o problema?

O governo federal espera que sim, mas os especialistas veem problemas na estratégia. Antes, é preciso entender como são formados os preços dos combustíveis.

Petrobras vende o diesel de suas refinarias para distribuidoras, que levam aos postos. Entre o preço da refinaria e da bomba, incidem impostos estaduais e federais.

Como é o preço da refinaria que concorre com os importadores, o governo espera que seja possível manter o PPI cortando o imposto que vem à frente na cadeia. A renúncia de arrecadação faria o desconto no preço final.

Em linhas gerais, a proposta do governo é:

  • zerar o ICMS (imposto que vai para os cofres estaduais) sobre diesel e gás de cozinha;
  • reduzir o ICMS e zerar os impostos federais sobre gasolina e etanol;
  • compensar os estados e o Distrito Federal por parte da perda de arrecadação.

O custo é de até R$ 50 bilhões até o fim de 2022. Uma reportagem do g1 mostra todos os detalhes da proposta.

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Governo propõe compensar estados para reduzir ICMS sobre combustíveis

Mas, além do alto custo para os cofres públicos — que pode prejudicar o câmbio e, consequentemente, a inflação —, Queiroz e Zylbersztajn alertam que a proposta não previne que o desconto seja “engolido” pela alta de preços do barril do petróleo no mercado internacional.

“Há uma recomposição dos fluxos de diesel no mundo todo depois da guerra da Ucrânia. Que medida será tomada se os preços subirem ainda mais? Tudo o que está sendo feito parece improvisação, isso que preocupa”, diz Queiroz.

Para ambos, um outro plano de ação teria efeito mais significativo: criar programas de subsídio focalizado para trabalhadores que dependem de combustíveis. Um exemplo perfeito é o modelo do vale gás.

A medida custeia 50% do valor do botijão para famílias de renda mais baixa e inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do governo federal (CadÚnico) ou beneficiárias do Benefício de Prestação Continuada (BPC).

“Para o diesel, poderia ter algo nessa direção. Para a gasolina, poderia incorporar motoristas de aplicativo e táxis. Mas, para tudo isso, precisaria de um bom cadastramento, comprovação e triagem”, diz Queiroz. G1