Medo de dar vexame, ressaca moral e ligar para o ex são determinantes para jovens não exagerarem no consumo de álcool

A saúde não está em primeiro lugar na hora de reduzir o consumo de bebida alcoólica. Brasileiros também não entendem o conceito de “beber com moderação”.

Por Mariana Garcia, g1

Se o prazer, a diversão e a socialização são incentivos para a pessoa consumir a bebida alcoólica, o medo do julgamento, de passar vergonha ou até de ligar para ex levam o público de 18 a 34 anos a refletir antes de beber. Os dados são do levantamento “Álcool e a Saúde dos Brasileiros” feito pelo Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA) em 2023.

“Socializar com amigos, participar de eventos e festas estão entre os motivos que levam ao consumo de álcool. O álcool é associado a comemorações e, nos últimos anos, temos notado o álcool como válvula para relaxar do estresse, como escape”, aponta Mariana Thibes, doutora em sociologia e coordenadora do CISA.

Do outro lado da balança está o medo da exposição.

“Os jovens não controlam o consumo pela saúde. Eles têm medo de passar vergonha, falar algo que não devia, de ter um comportamento inadequado, ligar para ex. Perder a reputação é uma coisa muito dura para eles“, completa coordenadora do CISA.

Razões (e medos) para o consumo de bebida alcoólica

A pesquisa questionou os jovens de 18 a 34 anos sobre as motivações para o consumo de álcool. Eles são diversos, mas os aspectos relativos ao prazer e à recompensa tiveram mais destaque:

  • Socialização — o álcool deixa a pessoa mais desinibida para interagir, conversar, fazer ou manter amizades;
  • Busca por relaxamento, principalmente para aliviar o estresse;
  • Uso do álcool faz parte da tradição e é cultural no Brasil.

“A bebida está presente no nosso cotidiano”, lembra Marcia Oliveira, assessora técnica do Departamento de Saúde Mental do Ministério da Saúde. Quem nunca falou para um amigo: passa lá em casa para tomar uma cervejinha? E não tem aniversário, formatura, casamento, Natal, Páscoa, carnaval e Ano Novo que não tenha uma bebida alcoólica.

E o que faz o jovem repensar o consumo exagerado? Em geral, a famosa “ressaca moral” é o que provoca mais “medo”:

  • Falar algo que não devia aos amigos ou colegas de trabalho, ou ser excessivamente sincero e magoar alguém;
  • Ligar para um/a ex-namorado/a durante o momento de embriaguez;
  • Estar namorando uma pessoa e beijar outra em uma festa, por exemplo;
  • Não comparecer a um compromisso de trabalho no dia seguinte após embebedar-se na noite anterior;
  • Perder dinheiro ou objetos, como telefone celular e carteira;
  • Preocupação com a segurança (mulheres).

“Eu acho que a gente se preocupa mais com a moral mesmo, com os amigos, se eu dei muito vexame. Particularmente, não penso muito no que vai acontecer com o organismo depois não. Só a ressaca moral mesmo”, disse um participante da pesquisa.

Beber com moderação?

Em outro tópico do levantamento, os pesquisadores quiseram entender a percepção da população 18+ sobre o consumo moderado e abusivo do álcool e a maioria dos entrevistados não sabe o que é beber com moderação.

A pesquisa mostrou que 75% dos brasileiros que consomem álcool de forma abusiva acreditam que são consumidores moderados, apenas 13% desse grupo reconhecem que bebem muito e que precisam mudar o seu padrão de consumo.

Eles pensam que abusivo é alcoolismo, mas não é. O alcoolismo é a ponta do iceberg, quando o problema se torna grave e crônico, e não é do dia para a noite que isso acontece”, alerta Mariana Thibes.

Consumo abusivo é quando a pessoa ingere uma determinada quantidade de doses em uma mesma ocasião:

  • Mulheres: quatro ou mais doses em uma mesma ocasião.
  • Homens: cinco ou mais doses em uma mesma ocasião.

🥂O que é uma dose? No Brasil, uma dose de bebida equivale a 14 g de álcool puro: 350 ml de cerveja ou 150 ml de vinho ou 45 ml de destilado.

“A pesquisa mostra que temos um grande desafio pela frente: informar e esclarecer a população acerca dos parâmetros de consumo de álcool e os danos associados ao uso nocivo de álcool. Conhecer esses limites é um passo importante para reconhecer padrões mais prejudiciais de consumo e, assim, evitá-los”, avalia a coordenadora do CISA.

Não existe limite seguro

Moderado ou abusivo, o que sabemos é que não existe um limite seguro para o consumo de álcool. No entanto, o consumo moderado (uma dose por dia para mulher e duas doses para o homem) dificilmente trará prejuízos para uma pessoa saudável.

“Para entender o impacto que o álcool terá na saúde, precisamos olhar o conjunto de fatores. Se a pessoa é sedentária, se alimenta mal, vive estressada, o resultado dela será diferente de uma pessoa que se alimenta bem, faz atividade física e toma bebida alcoólica. Dentro de um estilo de vida saudável, o consumo moderado apresenta um baixo risco”

— Mariana Thibes, coordenadora do CISA

Segundo a OMS, o uso nocivo do álcool é responsável por três milhões de mortes por ano. O consumo de bebida alcoólica é um fator causal em mais de 200 doenças e lesões. “O álcool no organismo pode levar a uma cirrose hepática, úlceras, câncer de garganta, neuropatias e dependência”, completa Marcia Oliveira, assessora técnica do Departamento de Saúde Mental do Ministério da Saúde.

Arthur Guerra, psiquiatra e presidente-executivo do CISA, aponta situações em que o consumo de bebida alcoólica não é indicado e a tolerância é zero:

  • O uso por menor de idade, visto que o cérebro está em expansão.
  • Beber e dirigir.
  • Álcool e gravidez. O consumo de álcool por mulheres grávidas pode causar síndrome fetal do álcool e complicações no parto prematuro.
  • Pessoas com condições de saúde que possam ser prejudicadas pelo álcool.
  • Quem usa o álcool como remédio.

“Beber é uma escolha. Se a pessoa for escolher beber, que beba com moderação”, finaliza o psiquiatra.