“Estão fechando uma empresa por minuto”

Em mais de 30 anos de vida pública, o político e empresário Guilherme Afif Domingos vem se dedicando a duas causas principais: a defesa das micro e pequenas empresas e a desburocratização do Estado. A militância nos temas conquistou a simpatia da presidente Dilma Rousseff, que o escolheu para liderar a Secretaria da Micro e Pequena Empresa, criada em 2013. Na pasta, Afif colecionou vitórias importantes, como a ampliação do teto do Simples. No ano passado, a secretaria perdeu status de ministério e Afif passou a ocupar a presidência do Sebrae, cargo que agora acumula com a chefia do conselho do programa Bem Mais Simples Brasil, com sede no Palácio do Planalto. Sua batalha mais recente é para aprovar um programa de crédito contra a crise e para reverter um novo revés com o Fisco: uma norma de ICMS que está inviabilizando os negócios. “Em plena era digital, fizeram um sistem medieval”. Leia a entrevista a seguir.
DINHEIRO – O senhor gastou seus últimos dias tentando resolver essa questão do ICMS. O que aconteceu?
GUILHERME AFIF – Uma Emenda Constitucional pretendia melhorar a repartição do ICMS entre os Estados, o que é uma discussão justa. Mas sua implementação foi um desastre. Não levaram em conta o tratamento diferenciado do Simples. Em plena era digital, criaram um sistema medieval: a empresa emite a nota num Estado e tem de se inscrever [no sistema] num outro Estado, recolher o imposto pela diferença e pagar uma outra guia nos Estados que têm fundo de pobreza. As grandes empresas devem estar dobrando mão de obra para atender a exigência burocrática. E as pequenas simplesmente estão fechando.
DINHEIRO – Aumentou a tributação?
AFIF – Na pequena empresa, sim, porque quando o produto é fruto de substituição tributária, vai ter de pagar de novo o imposto que já recolheu na substituição, pagar como empresa do Simples num Estado e bancar a diferença da alíquota em outro Estado. Então, quem é do Simples é impactado quadruplamente quando tiver o fundo de pobreza. Portanto, elas estão todas fechando mesmo. Recebemos uma informação de que estão fechando uma empresa por minuto.
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DINHEIRO – Por que é tão difícil avançar na questão da desburocratização?
AFIF – Isso é próprio do Fisco, que pensa no seu interesse e tem a força de impor, não de propor. A desburocratização precisa de definição e decisão política. Os programas não dão certo porque na primeira reunião vão todos os ministros, na segunda, o secretário-executivo, na terceira, o terceiro escalão, na quarta, o quarto escalão, que já começa a escrever regras para o processo. Cria-se mais burocracia. Precisa ter uma definição política, um comando e vontade de fazer.
DINHEIRO –Desta vez vai ser diferente?
AFIF – Não adianta querer atacar tudo. Tem de ter foco, saber que um boi se engole aos bifes. Tem de fatiar ponto por ponto. Prometi que teríamos o projeto-modelo no Distrito Federal para abrir empresa num prazo de cinco dias e que seria levado para todo Brasil. Em 60 dias, foram mais de 1.500 empresas abertas praticamente na hora. Agora está pronto para ser multiplicado pelo Brasil.
DINHEIRO – Há um excesso de regulamentação para as empresas no Brasil?
AFIF – O parágrafo do artigo 170 da Constituição diz que é livre toda e qualquer atividade econômica, independente de autorização governamental, a não ser nos casos previstos em lei. O que a Constituição consagra é o princípio da desregulamentação. No Brasil, no entanto, a regulamentação é regra. Precisamos de um grande processo de desregulamentação para melhorar o ambiente de negócios. O excesso de regulamentação gera burocracia e corrupção. Há uma cultura cartorial que mistura corporativismo público e privado. Está na hora de mudar isso.
DINHEIRO – O senhor já disse que o Steve Jobs não existiria no Brasil. O que falta por aqui?
AFIF – No Brasil, taxa-se o investimento. Deveria se incentivar o investimento para gerar renda e taxar a renda. O Steve Jobs curtiu muito prejuízo antes de ganhar dinheiro. Aqui, como querem cobrar antecipado, matam a capacidade empreendedora. Por isso estamos fazendo o Crescer sem Medo, uma rampa de acesso para tirar as dificuldades do início e deixá-las para quando se ganhe musculatura.
DINHEIRO – O Crescer sem Medo é a faixa de transição do Simples, certo?
AFIF – É o Simples de transição, para que não se saia abruptamente. Quem sai do Simples hoje, cai no complicado. O projeto está com urgência no Senado, mas tem resistência da área fiscal porque falam numa renúncia estratosférica, que não corresponde à realidade. Quando você facilita a vida, em vez de perder, você aumenta a arrecadação.
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DINHEIRO – Há algum cálculo da renúncia?
AFIF – Segundo a FGV, a renúncia tributária teórica seria de R$ 5 bilhões nesse projeto. Mas se a resposta do segmento for crescer 5%, essa perda se anula.
DINHEIRO – Apesar da resistência da Receita, como estão as conversas com o Planalto?
AFIF – Estamos num compasso de espera porque existem coisas de curtíssimo prazo que temos de atacar. A prioridade agora é financiamento, temos de garantir oxigênio para quem está na travessia da crise.
DINHEIRO – Crédito é o tema mais importante para as empresas menores agora?
AFIF – O sistema financeiro é muito concentrado e o primeiro corte que faz é para a micro e a pequena empresa. Fora os juros. No capital de giro, paga-se de 4% a 6% ao mês – uma taxa entre 50% e 70% ao ano. Isso é agiotagem.
DINHEIRO – Como será a proposta?
AFIF – Dar acesso a fontes de financiamento de Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), mais uma taxa de juros, que permita emprestar entre 15% e 18% ao ano para capital de giro. O BNDES suprirá o sistema privado de massa (BB, Caixa, Bradesco, Itaú).
DINHEIRO – Nos últimos anos não faltou dinheiro ao BNDES. Deveria ter havido um foco maior nas empresas de menor porte?
AFIF – O BNDES tem dificuldade de operar com a pequena, porque é um banco de atacado. Tinha de ter uma rede de parcerias, com produtos destinados a quem fatura até R$ 3,6 milhões. Solicitamos uma informação de quais eram os financiamentos para essa faixa e eles não conseguiram responder, porque não têm operação. Eles operam numa faixa acima, de R$ 16 milhões. Então empresta para quem está nos
R$ 16 milhões e a turma de baixa não recebe. Isso precisa ser invertido.
DINHEIRO – Havia uma ideia de destinar parte dos depósitos compulsórios…
AFIF – A proposta no ano passado, já antevendo a crise, era a liberação dos recursos do compulsório para baratear o custo da pequena ao crédito de capital de giro. Com a vinda do Nelson Barbosa, ele falou: ‘vamos fazer, não vou mexer no compulsório, mas vou mexer no BNDES, que tem recurso disponível para operar em TJLP. Antes que os recursos sejam consumidos pelas grandes, vamos fazer uma injeção de crédito na micro e pequena empresa e na construção civil de pequenos construtores, que vai permitir manter uma estrutura de emprego’. Ou seja, vamos investir no Brasil real.
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DINHEIRO – O senhor chegou a discutir isso com o então ministro Levy?
AFIF – Sim, logo que ele assumiu, no começo do ano passado.
DINHEIRO – E havia simpatia?
AFIF – A resposta foi um ensurdecedor silêncio.
DINHEIRO – Há quem veja uma incoerência em liberar mais crédito num momento em que o Banco Central tenta aplacar a inflação.
AFIF – Crédito para consumo. Eu estou liberando crédito para a produção, é muito diferente. Aliás, é antiflancionário, porque contribui para redução de custos de produção e vai cooperar com a manutenção de empregos e renda.
DINHEIRO – O senhor ganhou fama de ser um dos ministros que mais conseguem emplacar pautas com a presidente Dilma. Qual é o segredo?
AFIF – Isso é intriga da oposição. Temos afinidade temática em termos de pensamento, então auxilia na busca de soluções.
DINHEIRO – As projeções sugerem que o Brasil só voltará a crescer em 2018. O que fizemos de errado?
AFIF – Fomos pegos de surpresa em 2008 e o Brasil teve de fazer uma política anticíclica severa. O grande problema é que tínhamos de dosar o crédito para consumo com crédito para investimento. E acho que o Brasil está falhando na questão do investimento em infraestrutura. Demoramos muito para entender que o mundo tem uma enorme liquidez e que nós podíamos internalizar poupança externa a partir de PPPs (Parceria Público-Privada). Mas isso batia de frente com a cultura brasileira de termos uma excelente estrutura de operadores de infraestrutura, mas que sempre vinham buscar dinheiro nos cofres públicos, no BNDES. Estamos tentando recuperar isso agora, porque a liquidez continua aí. Só que precisamos ter poder de atração e, para isso, precisamos simplificar as coisas. Precisamos tornar o País mais amigável em termos de burocracia.
DINHEIRO – O diagnóstico é de crise política e baixa confiança. Como superar isso?
AFIF – Primeiro precisamos ultrapassar a questão do impeachment. Temos de mudar a pauta. Não aguento mais ouvir isso e a questão do Eduardo Cunha, presidente da Câmara. Essas coisas paralisaram a pauta política no Brasil. Acho que o agravamento do desemprego vai ser um alerta à classe política de que ela precisa agir. Porque depende dela.
DINHEIRO – O senhor vê maturidade em Brasília?
AFIF – Está arrefecendo o ímpeto de derrubar a presidente. Estão vendo a inviabilidade. É melhor deixar a luta política para 2018 e prepararmos um campo de luta com mais estabilidade. Do jeito que querem fazer, corremos o risco de comer a grama e destruir o estádio, aí não tem jogo depois.
DINHEIRO – Há esforços para aumentar tributos por todo o Brasil. Falta criatividade para enfrentar a crise?
AFIF – Eu estou dirigindo o Sebrae e a projeção é de queda da arrecadação de 10%. O que vou fazer? Aumentar minha mensalidade? Não tem margem para isso. Tem que fazer mais com menos mesmo. Racionalizar a estrutura, fazer cortes e enxugamentos. Mas não estou vendo Estados e municípios fazerem isso. É sempre mais fácil pendurar a conta no contribuinte.
DINHEIRO – O senhor acredita que verá a reforma tributária sair do papel?
AFIF – O Simples é o maior exemplo de reforma tributária. Com a facilidade no recolhimento, tornou-se um regime muito atraente. As receitas públicas têm crescido ano a ano, porque foi feito um sistema tributário amigável, propositivo e não impositivo. A sociedade não engole mais isso.
DINHEIRO – Ainda falta a reforma do ICMS.
AFIF – O ICMS é um negócio que não tem conserto. Não existe imposto de circulação nacional com legislação estadual. O Brasil é um continente sem fronteiras, menos na questão do imposto. Criou-se uma República com fronteiras. Quando se olha as legislações do ICMS, percebemos que vivemos num verdadeiro manicômio tributário. E o ICMS é o dono do manicômio.REVISTA DINHEIRO
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