Como o dólar valorizado afeta a todos

Moeda dos EUA sobe porque a economia do país está indo melhor do que as outras.

O dólar não vai parar.

O valor do dólar americano está em disparada há mais de um ano em relação a todas as moedas, desde a libra esterlina do outro lado do Atlântico até o won sul-coreano do outro lado do Pacífico.

Depois de subir novamente na sexta-feira, o dólar está próximo de seu nível mais alto em mais de duas décadas, de acordo com um índice que mede seis das principais moedas, incluindo o euro e o iene japonês. Muitos investidores profissionais não esperam que ele desacelere tão cedo.

A alta do dólar afeta praticamente todos, mesmo as pessoas que nunca sairiam das fronteiras dos EUA. Vamos examinar o que está causando a alta do dólar americano e o que isso pode significar para investidores e famílias.

O que significa dizer que o dólar está mais valorizado?

Essencialmente, que um dólar pode comprar mais de outra moeda do que podia antes.

Considere o iene japonês. Um ano atrás, um dólar poderia comprar pouco menos de 110 ienes. Atualmente, pode comprar 143. Isso é cerca de 30% a mais, e uma das maiores alterações que o dólar americano sofreu em relação a outra moeda.

Os valores das moedas estrangeiras estão constantemente mudando uns em relação aos outros, enquanto bancos, empresas e investidores compram e vendem moeda em diferentes fusos horários de todo o mundo.

O Índice do Dólar Americano (DXY), que compara o dólar com o euro, o iene e outras moedas importantes, subiu mais de 14% este ano. O ganho parece ainda mais impressionante se comparado com outros investimentos, que na maioria tiveram um ano desanimador. A bolsa de valores dos EUA caiu mais de 19%, o bitcoin caiu para menos da metade, e o ouro perdeu mais de 7%.

Por que o dólar está ficando mais valorizado?

Porque a economia dos EUA está indo melhor do que as outras.

Embora a inflação esteja alta, o mercado de trabalho dos EUA permaneceu consideravelmente estável. E outras áreas da economia, como o setor de serviços, têm se mostrado resilientes.

Isso ajuda a compensar as preocupações com a desaceleração do setor imobiliário e de outras partes da economia que têm resultados melhores quando as taxas de juros caem. Isso, por sua vez, faz com que os investidores sigam na expectativa de que o Banco Central dos EUA, o Fed, cumpra a promessa de continuar a aumentar intensamente os juros e a mantê-los nesse patamar por algum tempo, buscando controlar a pior inflação dos últimos 40 anos.

Essas expectativas ajudaram o rendimento de um título do Tesouro americano com prazo de 10 anos a subir de aproximadamente 1,33%, um ano atrás, para 3,44%.

Quem se importa com o rendimento dos títulos?

Os investidores que querem ter mais retorno do seu investimento. E esses rendimentos mais altos dos títulos americanos estão atraindo investidores do mundo inteiro.

Outros bancos centrais têm sido menos agressivos que o Fed, porque suas economias parecem mais frágeis. O Banco Central Europeu acabou de realizar o maior aumento de todos os tempos em sua taxa básica, de três quartos de ponto percentual.

Mas o Fed já promoveu esse mesmo aumento em sua taxa básica duas vezes este ano, e um terceiro aumento é esperado para a próxima semana. Alguns investidores dizem que até um aumento gigantesco de um ponto percentual seria possível, na esteira de um relatório mais preocupante que o esperado sobre a inflação dos EUA, na terça-feira.

Em parte por causa dessa tendência menos agressiva, os títulos com vencimento de 10 anos na Europa e em outras partes do mundo oferecem rendimentos muito mais baixos que os títulos do Tesouro americano, como 1,75% na Alemanha e 0,25% no Japão. Quando os investidores asiáticos e europeus compram os títulos dos EUA, eles precisam trocar sua própria moeda por dólares americanos. Isso impulsiona o valor do dólar.

Um dólar valorizado ajuda os turistas americanos?

Sim. Viajantes americanos em Tóquio que gastem 10.000 ienes em um jantar estarão usando 23% menos dólares do que gastariam um ano atrás em uma refeição do mesmo valor.

Com a alta acentuada do dólar este ano em relação a todas as moedas, do peso argentino à libra egípcia e ao won sul-coreano, a moeda americana está oferecendo mais do que antes em muitos países.

É útil apenas para os americanos ricos que podem viajar para o exterior?

Não. Um dólar mais forte também ajuda os consumidores americanos, mantendo sob controle os preços das importações e empurrando a inflação para baixo.

Quando o dólar sobe em relação ao euro, por exemplo, as empresas europeias ganham mais euros a cada dólar em vendas. Com esse colchão, elas poderiam reduzir o preço em dólares de seus produtos e ainda ganhar a mesma quantidade de euros. Elas também poderiam manter o preço em dólares e embolsar os euros a mais, ou poderiam encontrar um equilíbrio entre as duas coisas.

Os preços das importações nos EUA caíram 1% em agosto em relação ao mês anterior, após a queda de 1,5% em julho, oferecendo um pouco de alívio em meio à alta inflação do país. Os preços de frutas, castanhas e algumas cascas caíram 8,7%, por exemplo. Estão 3% mais baixos em relação ao ano anterior.

Um dólar mais valorizado pode manter sob controle os preços das commodities em geral nos EUA, porque petróleo e ouro, entre outras, são comprados e vendidos em dólares no mundo inteiro. Quando o dólar sobe em relação ao iene, um comprador japonês pode receber menos barris de óleo cru pelo menos número de ienes que antes. Com isso, pode haver menos pressão sobre o preço do petróleo.

Então todos ganham quando o dólar fica mais valorizado?

Não. Os lucros das empresas americanas que vendem para o exterior estão sendo achatados.

A receita do McDonald’s durante o verão americano caiu 3% em relação ao ano anterior. Porém, caso o valor do dólar em relação às outras moedas tivesse se mantido, o faturamento da empresa teria sido 3% mais alto. A Microsoft, por sua vez, diz que as mudanças no câmbio levaram embora US$595 milhões (R$3 bilhões) de seu faturamento no último trimestre.

Uma série de outras empresas deram alertas semelhantes recentemente, e uma alta maior do dólar poderia reduzir ainda mais os lucros. Segundo a empresa de dados financeiros FactSet, as empresas listadas pelo índice S&P 500 obtêm cerca de 40% do seu faturamento de fora dos Estados Unidos.

Há outros danos colaterais?

Um dólar fortalecido pode criar um aperto financeiro para os países em desenvolvimento. Empresas e governos de mercados emergentes frequentemente tomam empréstimos em dólar, no lugar de sua própria moeda. Quando precisam pagar as dívidas em dólar, ao mesmo tempo em que suas moedas compram cada vez menos dólares, a situação pode ficar preocupante.

Qual o destino do dólar a partir de agora?

As maiores movimentações do dólar podem já ter passado, mas muitos especialistas esperam que ele permaneça pelo menos na valorização atual por algum tempo.

O relatório de terça-feira sobre a inflação nos EUA assustou o mercado e mostrou que ela permanece mais resistente do que se esperava. Com isso, os investidores aumentaram as apostas de que a taxa de juros do Fed deve subir até o próximo ano. As autoridades do Fed vêm reafirmando seu compromisso em manter as taxas altas até que “o trabalho esteja concluído” para derrotar a inflação alta no país, ainda que o crescimento econômico seja prejudicado.

Essa tendência do Fed em direção a taxas ainda mais altas deve continuar a oferecer suporte para a valorização do dólar.

Para que o dólar se desvalorize significativamente, segundo escreveram alguns especialistas em um relatório de Pesquisa Global do Bank of America, “o Fed precisaria começar a se preocupar mais com o crescimento do que com a inflação – e ainda não chegamos lá”.

Por Associated Press