Paraguaios ainda perseguem tesouros enterrados na guerra com o Brasil

Trabalhadores procuram por barra de ouro enterrada durante a Guerra do Paraguai (1864-1870), em um sítio de escavação próximo a Assunção, em 2013
Nas profundezas tropicais da América do Sul, a caçada não para. Enterrados sob ruas de terra vermelha, ou talvez à sombra de mangueiras nos campos ao redor, tesouros opulentos estão espalhados por centenas de quilômetros –pelo menos segundo uma fábula que impregna o subconsciente cultural do Paraguai há gerações.
Os tesouros são conhecidos como “plata yvyguy” na língua nacional gutural do país. Acredita-se de modo geral que eles foram escondidos pelo governo e pela elite que fugiu em pânico da capital, Assunção, a apenas 20 km a noroeste, quando as forças de ocupação avançaram durante a Guerra da Tríplice Aliança, chamada no Brasil de Guerra do Paraguai, contra Brasil, Argentina e Uruguai há 150 anos.
Mas o passar do tempo não diminui a esperança de descobrir toneladas de metais preciosos, baús com libras britânicas e, os mais cobiçados, abacaxis ornamentais forjados em ouro.
“O Paraguai está cheio de ‘plata yvyguy'”, disse Juan Alberto Díaz, 57, um caçador de tesouros em tempo integral em uma parte rural desta pequena cidade. Os vizinhos de Díaz fabricam tijolos, e o calor rola como o bafo de um forno pela terra salpicada de bois e arbustos de “guava”. “Todo mundo que sabe que ela existe a está procurando.”
Nos últimos anos, oficiais militares de alta patente, prefeitos, o irmão de um presidente, arquitetos, médicos e trabalhadores foram consumidos pela lenda: planejaram expedições, decifraram mapas, varreram lugares com detectores de metal e percorreram vastos territórios.
De muitas maneiras, é uma das maiores caças ao tesouro da época moderna nas Américas. Em diferentes países, a natureza dessas caçadas varia. Nos EUA, continua a busca nas Montanhas Rochosas por uma arca de tesouro escondida por um comerciante de arte excêntrico. No Peru, o saque de antigos sítios nas últimas décadas chegou a ameaçar o patrimônio arqueológico do país.
O trabalho de evitar que uma cena igualmente triste ocorra no Paraguai cabe a Ana Rosa Lluis O’Hara, atual diretora do órgão oficial que cuida do patrimônio cultural. Ela tem uma investigação de 64 páginas sobre Díaz e recusa pedidos de autorização para escavar, em seu escritório no porão da biblioteca nacional, citando uma lei que protege artefatos e sítios arqueológicos.
“É uma ameaça para nosso legado cultural”, disse Lluis O’Hara.
As discussões irrompem aqui porque o código civil do país inclui dispositivos que podem dar direito de propriedade aos descobridores de tesouros ocultos. Mas esses dispositivos não se aplicam a artigos de valor histórico, incluindo a maioria dos artefatos de guerra, segundo assessores jurídicos do governo.
Sentado junto de um buraco de 3 m de profundidade parcialmente coberto por ferro corrugado –restos de uma escavação recente que fracassou–, Díaz, um ex-comerciante de produtos eletrônicos, lembrou uma escavação audaciosa que ele liderou em 2013 e que atiçou a curiosidade de todo o país.
Em uma tentativa, Díaz e vários outros caçadores de tesouro, autorizados pelo prefeito de Capiatá na época, Antonio Galeano, abriram um poço com escavadeiras aqui, no lugar onde acreditavam haver detectado 13 toneladas de ouro em barras.
Em duas semanas eles tinham desenterrado uma pesada arca de aço, disse Díaz. Mas então um promotor federal mandou interromper a caçada, acusando Díaz de pôr em risco um importante aquífero e ordenando que o poço fosse fechado.
Outro caso de destaque, em 2006, envolveu um importante grupo de autoridades, incluindo um juiz da Suprema Corte e um general, orientados por um dentista que possuía um mapa do tesouro.