Internet facilitou muito o acesso a conteúdos pornográficos por crianças e adolescentes

Acesso fácil à pornografia mudou a vida sexual do jovem?

wmX-615x300x4-534438eb2d6e897bb4eb888ffb432aa08b6258a6491f8 – Didi Cunha/UOL

A internet transformou a relação que os jovens têm com o sexo. Com apenas alguns cliques, é possível acessar um mundo de pornografia e saciar até curiosidades que nem existiam. A enorme disponibilidade de conteúdos faz com que essa seja a geração a ver mais pornô de todos os tempos. O problema é que o sexo da tela do computador costuma ser bem diferente do da vida real.

“O acesso fácil à pornografia pode levar os adolescentes a descobrirem a sexualidade por um lado incompleto, equivocado, com visões preconceituosas e ideias de um sexo fácil, sem angústias e ansiedades”, diz Paulo Rennes Marçal Ribeiro, coordenador do mestrado em Educação Sexual e do Nusex (Núcleo de Estudos da Sexualidade) da Unesp (Universidade Estadual Paulista).

Os jovens têm contato com vídeos e imagens pornográficas cada vez mais cedo. Segundo uma pesquisa da organização beneficente britânica ChildLine, com 800 crianças e adolescentes, um terço dos entrevistados entre 11 e 13 anos de idade já havia visto pornografia online. Entre os garotos de 13 e 17 anos, 56% disseram que assistem regularmente, de duas a três vezes por semana ou mais.

“A idade em que os jovens veem pornografia tem diminuído porque praticamente todos têm acesso a telefone celular com internet”, afirma Sônia Eustáquia, educadora sexual e especialista em Sexualidade Humana. A sexóloga já tratou de um paciente com apenas sete anos de idade, que desenvolveu ansiedade depois de assistir a conteúdo adulto no tablet do irmão de 10 anos.

Estereótipos e disfunções – Para o coordenador do Nusex, a indústria pornô incentiva, ou até mesmo condiciona, a manutenção de estereótipos sexistas, machistas e discriminatórios. Nos roteiros que se repetem, a mulher aparece quase sempre como uma máquina do sexo à disposição do homem. Além disso, a atividade sexual é excessivamente direcionada ao prazer individual. “Os jovens não são apresentados a um sexo altruísta, de troca, com afetividade”, observa Paulo Rennes.

Ainda não há muitos estudos acerca dos efeitos da pornografia na vida sexual dos jovens. Entretanto, já existe um grupo na internet, sem fundamentação religiosa, que acredita que o excesso de pornô e masturbação atrapalha a sexualidade e os relacionamentos. O NoFap propõe aos participantes que se abstenham dessas práticas, na forma de desafios por períodos de tempo determinados pelo usuário.

O criador do NoFap, o desenvolvedor web Alexander Rhodes, 24 anos, da Pensilvânia, nos Estados Unidos, diz que se abster o ajuda a se conectar melhor com as mulheres, promovendo mais empatia, intimidade e afeição nas relações sexuais. “Eu era viciado no visual da pornografia e não conseguia me satisfazer sexualmente sem uma visão externa da ação”, revela.

Rhodes afirma que já viu muitos casos de jovens que se curaram de disfunção erétil, ejaculação retardada e outros problemas sexuais por meio da abstenção.

Para o urologista André Milanezi Lorenzini, diretor técnico responsável de um instituto particular especializado em urologia que leva seu nome, em Belo Horizonte (MG), não existe relação entre pornografia e disfunções sexuais masculinas. “Antes de ter internet, pornografia online, os homens se masturbavam. Facilitou, mas não mudou nada”, defende.

Sônia Eustáquia tem uma opinião diferente, com base nos atendimentos que realiza no consultório. Ela acredita que a pornografia não só contribui para distúrbios sexuais como para outras disfunções que transcendem a sexualidade, como neuroses obsessivas em pessoas com predisposição.

A sexóloga diz que trata com frequência de jovens com dificuldade de ter uma relação natural com as namoradas. “Na hora do sexo, o rapaz não tem ereção, como se alguma coisa bloqueasse”, conta.

Para André Milanezi, a fonte do problema não está na pornografia, mas na ansiedade. “Qualquer coisa que gere ansiedade desencadeia o aumento de adrenalina, que provoca a falta de potência sexual”, diz.

Educação sexual – Além de estimular expectativas falsas, sobretudo nos garotos que esperam performances de atriz pornô das namoradas, a pornografia online pode tirar um pouco a graça do sexo fora do universo virtual, de acordo com Sônia.

“O jovem fica tão saciado com o que está vendo que não se interessa mais por aquele rito do namoro, da sedução e da fantasia até chegar ao ato sexual e ao orgasmo. Fica dessensibilizado para o sexo com outra pessoa”, explica.

Para Paulo Rennes, a busca pelo prazer imediato da pornografia também tem origem na repressão imposta pela sociedade, que não permite a existência de uma espontaneidade sexual. “Se os jovens não têm outras fontes de informação, espaços para reflexão, possibilidades de questionamento, só conhecerão e reproduzirão a prática sexual oferecida na pornografia”.

Os especialistas são unânimes em apontar a educação sexual como caminho para uma sexualidade saudável entre os jovens. Porém, o tema ainda é pouco explorado pelas escolas e a maioria das licenciaturas e cursos de Pedagogia não têm a disciplina na grade curricular.

“O problema é que a própria sociedade brasileira tem uma visão distorcida da educação sexual. Hipócrita e contraditoriamente aceita nossa cultura erótica, sabe que os adolescentes têm vida sexual ativa, mas continua insistindo que a educação sexual não deve ser dada na escola, que é papel da família”, diz o coordenador do Nusex. (BOL)
Por: Folha de Dourados