Carta de TEMER cai como uma bomba no Palácio, Dilma acorda de ressaca

Com termos duros, o vice-presidente Michel Temer (PMDB) enviou uma carta ao gabinete de Dilma Rousseff na qual afirma que sempre teve “ciência da absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB”. Ele diz que passou os primeiros quatros anos de governo como “vice decorativo”.
Carta bomba na ínterga aqui. Temer começa dizendo que a palavra voa, mas o escrito fica. Por isso, diz, preferiu escrever. Avisa então que está fazendo um “desabafo” que deveria ter feito “há muito tempo”. Na avaliação de amigos do vice, a carta representa o rompimento com a presidente Dilma, apesar de o peemedebista não querer dar esta conotação ao documento.
Temer demonstra profundo incômodo com declarações e ações de Dilma, de seu governo e de seus aliados sobre a “confiança” que devotam a ele. “Desde logo lhe digo que não é preciso alardear publicamente a necessidade da minha lealdade”, escreve. “Tenho-a revelado ao longo destes cinco anos.”
“Entretanto, sempre tive ciência da absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB. Desconfiança incompatível com o que fizemos para manter o apoio pessoal e partidário ao seu governo”, sustenta Temer.
Para ilustrar, cita o esforço que fez para manter o PMDB com Dilma. “Basta ressaltar que na última convenção apenas 59,9% [dos dirigentes do PMDB] votaram pela aliança”. “E só o fizeram, ouso registrar, por que era eu o candidato à reeleição à vice.”
Temer diz que tem usado o prestígio que construiu no partido para manter o PMDB ao lado de Dilma. “Isso tudo não gerou confiança em mim. Gera desconfiança e menosprezo do governo”, conclui.
O vice ainda elenca 11 fatos que, segundo ele, demonstram o desprezo por ele e pelo PMDB, que “jamais” eram chamados para formulações econômicas ou políticas. “Éramos meros acessórios, secundários, subsidiários”.
Quando fala em “vice decorativo”, Temer diz que perdeu “todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo”. “Só era chamado para resolver as votações do PMDB e as crises políticas”.
Ele lembra, por exemplo, que quando assumiu a articulação política não conseguiu honrar acordos porque o governo não lhe dava condições.
Temer também reclama que Dilma demitiu ministros indicados por ele e resolveu ignorá-lo ao tratar de novas nomeações diretamente com o líder da Câmara, Leonardo Picciani (PMDB-RJ).
Sobre a saída de Moreira Franco da Aviação Civil, diz: Dilma quis “desvalorizar-me”. Sobre o deputado Edinho Araújo, que ocupou a pasta de Portos, fala que a presidente não teve a “menor preocupação em eliminar [ele] do governo”.
No fim, diz que “passados estes momentos críticos” tem certeza de que o país terá tranquilidade para crescer e consolidar conquistas sociais. E arremata: “Sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB hoje, e não terá amanhã. Lamento, mas esta é a minha convicção”.
A divulgação de um pequeno trecho do texto causou novo embate e desconforto entre os aliados de Dilma e do vice. Houve troca de acusações nos bastidores sobre o teor e o vazamento da carta, o que levou a assessoria de Temer a divulgar uma nota antes do vazamento da íntegra.
À noite, o ministro Luís Inácio Adams (Advocacia-Geral) foi ao Jaburu para conversar com Temer sobre a carta. Ao mesmo tempo, uma entrevista do vice ao jornalista Jorge Bastos Moreno, de “O Globo”, explicitava ainda mais o desconforto: “Escrevi uma carta confidencial e pessoal à presidente”, disse. “Mais uma vez avaliei mal. Desembarquei em Brasília agora à noite e me surpreendi com o fato gravíssimo de o palácio ter divulgado.”
E continuou: “Eu já tinha me decepcionado quando os ministros Edinho Silva (Comunicação Social) e Jaques Wagner (Casa Civil) divulgaram versões equivocadas do meu último encontro com a presidente […]. Eu havia sido comunicado pelo Eduardo Cunha que ele acolheria o pedido de impeachment. Reconheci seu direito de fazê-lo e depois o ministro Jaques Wagner colocou na minha boca a afirmação de que a decisão não tinha lastro jurídico. Constrangido, tive que desmentí-lo. O acolhimento tem sim lastro jurídico”, concluiu.
DISTANCIAMENTO
A decisão de Temer de enviar a carta foi o ponto alto de mais um dia conturbado nas relações entre ele e a petista. Antes da divulgação do texto, o ex-ministro Eliseu Padilha, um dos principais aliados do vice, disse que Temer está fazendo uma “aferição” do sentimento do PMDB sobre o impeachment.
Padilha foi o primeiro grande aliado de Temer a abandonar o governo. Ele chefiava a Aviação Civil até a semana passada.
Depois de reconhecer que o PMDB está “literalmente dividido” sobre o afastamento de Dilma, Padilha disse que Temer, como presidente nacional da sigla, está consultando deputados, senadores e os 27 dirigentes estaduais.
“Temos que ver onde é que está o segmento majoritário do partido”, disse Padilha.
A declaração alarmou o Planalto. Aliados de Dilma vinham trabalhando para arrancar do vice condenação ao impeachment. No entanto, a fala de Padilha confirmou que Temer não tem demonstrado disposição em defender o mandato de Dilma.
Pela manhã, Dilma havia dito à imprensa que não desconfiava “um milímetro” de seu vice e que esperava dele o “comportamento bastante correto” que ele sempre teve.
Antes da carta tornar-se pública, o governador do Estado mais importante controlado pelo PMDB, Luiz Fernando Pezão, do Rio, criticou a atitude do vice, que estaria “conspirando” contra Dilma.
“Vice é para ter atribuições, para ajudar na governabilidade, e não para conspirar”, disse, ao jornal “O Dia”. “Adoro o Michel, mas eu não estou achando legal o posicionamento dele nessa questão com a presidenta Dilma.”
Leia abaixo a íntegra da carta.

PROCURA-SE TEMER
Como o vice tem agido desde que o pedido de impeachment contra Dilma chegou à Câmara
Pronunciamento – Na quarta (2), após o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), aceitar o pedido de impeachment contra Dilma, a petista fez um pronunciamento em que, cercada por ministros, disse-se “indignada”. Seu vice, Michel Temer (PMDB), não estava lá
Versões conflitantes – Interlocutores do Planalto têm afirmado que Temer “assumiu o compromisso” de estar junto com Dilma -aliados do peemedebista minimizam e dizem apenas que ele recomendou à presidente que adote uma “postura institucional”
Encontro com tucano – O vice esteve no final de semana com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), e com o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung (PMDB)
Nova ausência – Dilma se reuniu no domingo (6) com auxiliares para discutir o impeachment. Temer também não estava lá
Agenda cancelada – O vice cancelou encontro aberto com empresários em São Paulo, que ocorreria nesta segunda (7) e foi tratar à noite com a cúpula do PMDB, em Brasília. Temer, porém, não participou de nova reunião no Planalto com advogados e auxiliares do governo

*
São Paulo, 07 de Dezembro de 2.015.
Senhora Presidente,
“Verba volant, scripta manent”. [As palavras voam, os escritos se mantêm]
Por isso lhe escrevo. Muito a propósito do intenso noticiário destes últimos dias e de tudo que me chega aos ouvidos das conversas no Palácio.
Esta é uma carta pessoal. É um desabafo que já deveria ter feito há muito tempo.
Desde logo lhe digo que não é preciso alardear publicamente a necessidade da minha lealdade. Tenho-a revelado ao longo destes cinco anos.
Lealdade institucional pautada pelo art. 79 da Constituição Federal. Sei quais são as funções do Vice. À minha natural discrição conectei aquela derivada daquele dispositivo constitucional.
Entretanto, sempre tive ciência da absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB. Desconfiança incompatível com o que fizemos para manter o apoio pessoal e partidário ao seu governo.
Basta ressaltar que na última convenção apenas 59,9% votaram pela aliança.
E só o fizeram, ouso registrar, por que era eu o candidato à reeleição à Vice.
Tenho mantido a unidade do PMDB apoiando seu governo usando o prestígio político que tenho advindo da credibilidade e do respeito que granjeei no partido.
Isso tudo não gerou confiança em mim, Gera desconfiança e menosprezo do governo.
Vamos aos fatos. Exemplifico alguns deles.
1. passei os quatro primeiros anos de governo como vice decorativo. a senhora sabe disso. perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo. só era chamado para resolver as votações do pmdb e as crises políticas.
2. Jamais eu ou o PMDB fomos chamados para discutir formulações econômicas ou políticas do país; éramos meros acessórios, secundários, subsidiários.
3. A senhora, no segundo mandato, à última hora, não renovou o Ministério da Aviação Civil onde o Moreira Franco fez belíssimo trabalho elogiado durante a Copa do Mundo. Sabia que ele era uma indicação minha. Quis, portanto, desvalorizar-me. Cheguei a registrar este fato no dia seguinte, ao telefone.
4. No episódio Eliseu Padilha, mais recente, ele deixou o Ministério em razão de muitas “desfeitas”, culminando com o que o governo fez a ele, Ministro, retirando sem nenhum aviso prévio, nome com perfil técnico que ele, Ministro da área, indicara para a ANAC.
Alardeou-se a) que fora retaliação a mim; b) que ele saiu porque faz parte de uma suposta “conspiração”.
5. Quando a senhora fez um apelo para que eu assumisse a coordenação política, no momento em que o governo estava muito desprestigiado, atendi e fizemos, eu e o Padilha, aprovar o ajuste fiscal.
Tema difícil porque dizia respeito aos trabalhadores e aos empresários.
Não titubeamos. Estava em jogo o país. Quando se aprovou o ajuste, nada mais do que fazíamos tinha sequencia no governo. Os acordos assumidos no Parlamento não foram cumpridos. Realizamos mais de 60 reuniões de lideres e bancadas ao longo do tempo solicitando apoio com a nossa credibilidade. Fomos obrigados a deixar aquela coordenação.
6. De qualquer forma, sou Presidente do PMDB e a senhora resolveu ignorar-me chamando o líder Picciani e seu pai para fazer um acordo sem nenhuma comunicação ao seu Vice e Presidente do Partido.
Os dois ministros, sabe a senhora, foram nomeados por ele. E a senhora não teve a menor preocupação em eliminar do governo o Deputado Edinho Araújo, deputado de São Paulo e a mim ligado.
7. Democrata que sou, converso, sim, senhora Presidente, com a oposição. Sempre o fiz, pelos 24 anos que passei no Parlamento.
Aliás, a primeira medida provisória do ajuste foi aprovada graças aos 8 (oito) votos do DEM, 6 (seis) do PSB e 3 do PV, recordando que foi aprovado por apenas 22 votos. Sou criticado por isso, numa visão equivocada do nosso sistema. E não foi sem razão que em duas oportunidades ressaltei que deveríamos reunificar o país. O Palácio resolveu difundir e criticar.
8. Recordo, ainda, que a senhora, na posse, manteve reunião de duas horas com o Vice Presidente Joe Biden – com quem construí boa amizade – sem convidar-me o que gerou em seus assessores a pergunta: o que é que houve que numa reunião com o Vice Presidente dos Estados Unidos, o do Brasil não se faz presente? Antes, no episódio da “espionagem” americana, quando as conversar começaram a ser retomadas, a senhora mandava o Ministro da Justiça, para conversar com o Vice Presidente dos Estados Unidos. Tudo isso tem significado absoluta falta de confiança.
9. Mais recentemente, conversa nossa (das duas maiores autoridades do país) foi divulgada e de maneira inverídica sem nenhuma conexão com o teor da conversa.
10. Até o programa “Uma Ponte para o Futuro”, aplaudido pela sociedade, cujas propostas poderiam ser utilizadas para recuperar a economia e resgatar a confiança foi tido como manobra desleal.
11. PMDB tem ciência de que o governo busca promover a sua divisão, o que já tentou no passado, sem sucesso.
A senhora sabe que, como Presidente do PMDB, devo manter cauteloso silencio com o objetivo de procurar o que sempre fiz: a unidade partidária.
Passados estes momentos críticos, tenho certeza de que o País terá tranquilidade para crescer e consolidar as conquistas sociais.
Finalmente, sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB, hoje, e não terá amanhã.
Lamento, mas esta é a minha convicção.
Respeitosamente, \ L TEMER
A Sua Excelência a Senhora
Doutora DILMA ROUSSEFF
DO. Presidente da República do Brasil
Palácio do Planalto
Brasília, D.F.
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