‘A guerra às drogas é uma guerra às pessoas’, diz especialista em segurança pública

Ilona Szabó lança livro para discutir políticas implementadas nesta área pelo Estado.

Ilona acredita que daqui a alguns anos estaremos testando novos modelos de regulação dos entorpecentes – Mônica Imbuzeiro
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RIO – Acostumada a lidar com informações técnicas em sua trajetória como especialista em segurança pública e política de drogas, Ilona Szabó recorreu a cinco personagens — baseados em pessoas reais — para ampliar o debate sobre o tema ao grande público. Lançado neste mês, “Drogas: as histórias que não te contaram” (ed. Zahar) tem nestas histórias, entrelaçadas, a representação de todo o ciclo de circulação das drogas, passando pela produção, transporte e consumo. O livro tem extensão em um site, que traz um quiz e terá até material para aulas sobre as drogas.

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À frente da diretoria executiva do Instituto Igarapé, Ilona contou com a parceria da jornalista Isabel Clemente na produção do livro — que inclui também o prefácio do médico Drauzio Varella. Com o título, a ativista garante não ter a pretensão de entregar receitas para o sucesso na política de drogas, mas de alertar para a necessidade de participação de todos em uma mudança, sejam usuários de drogas ou não.

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Por que você decidiu falar sobre drogas através de histórias semificcionais?

Já escrevi muitos artigos técnicos, de opinião, mas neste mercado semificcional é meu primeiro livro. Aprendi nos últimos anos que os números não choram, as pessoas choram. Foi a primeira tentativa de passar o que eu ouvi, senti e experimentei estando do outro lado — porque nunca estive na condição destes personagens. É uma entrega de uma imersão minha muito profunda e longa na discussão sobre drogas no mundo inteiro, desde 2008. Conheci pessoas envolvidas em toda a cadeia de drogas. O que mais me impactou nisso tudo foi perceber que a guerra às drogas é, na verdade, uma guerra às pessoas. Se tivéssemos que hoje redesenhar, do zero, esse sistema, jamais faríamos o que foi feito. Nem que quiséssemos, faríamos algo tão perverso e difícil de desconstruir.

Por quê?

Quem deve estar no controle do que deve ou não ser feito na política de drogas são pessoas preocupadas com nossa saúde e bem-estar, não o crime organizado. Hoje, vivemos o paradoxo de que a proibição é o libera geral, porque o mercado existe e está em todos os lugares. E quem está no controle não são pessoas que estão preocupadas conosco, mas com o lucro. Nada pode ser pior do que o que temos hoje.

Você é a favor da descriminalização das drogas? E da legalização?

Uma certeza que não tenho receio em colocar é que o usuário não é um criminoso. Isso é básico: muitos países fizeram a descriminalização sem nenhum impacto negativo no consumo. Sobre a legalização, como técnica, acho que daqui a alguns anos é inevitável que estejamos testando novos modelos de regulação. Esta é minha posição como técnica, eu não a levo para o livro. Ele não é dogmático, eu não ofereço a bala de prata ou um só caminho.

Como você está percebendo mudanças nas políticas de drogas no Brasil, como no caso do Programa De Braços Abertos, em São Paulo?

Fomos conversar com os novos secretários em São Paulo. Acho que [o programa de governo na área de drogas] ainda está em discussão. Estamos acompanhando. Há pessoas no governo sensíveis, sou otimista em acreditar que as portas que foram abertas não serão todas fechadas.

Qual é o diagnóstico em nível federal?

Estou muito preocupada, porque estamos tendo mudanças muito recorrentes no Ministério da Justiça. Na Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, todo mundo foi exonerado [a exoneração do então secretário, Roberto Allegretti, foi publicada no Diário Oficial no dia 23]. As transições têm nos deixado à deriva nas políticas de segurança pública. A gente não tem informações sobre quais serão os direcionamentos na área.

O STF tem indicado alguns novos caminhos para a política de drogas. Você acredita que as grandes mudanças na área virão do Supremo?

Acredito que o STF vai dar o pontapé inicial, mas uma vez que ele vá nesta direção, o Legislativo terá que responder com acertos nas leis. Não acredito que isso venha nesta legislatura, porque tem muita coisa em jogo. Talvez depois de 2018. Quando temas polêmicos como esse entram no toma-lá-dá-cá é mais perigoso tratar do assunto do que não tratar. É preciso muita tranquilidade para discutir.

O que você pensa da afirmação de que o usuário final de drogas tem responsabilidade pela violência do narcotráfico?

Tem muitos culpados nesta história. Se formos olhar a política de drogas, e formos dar o nome a quem tem culpa, tem muita culpa. Mas isso é zero produtivo. Meu papel e o do Instituto Igarapé é buscar soluções, e é claro que não fazemos isso sozinhos. O ser humano faz uso de substâncias psicotrópicas desde sua existência. O mau uso definitivamente precisa ser evitado. Uma política de drogas eficiente hoje tem dois principais objetivos. O primeiro é prevenir e retardar o primeiro uso; e o segundo, é evitar os abusos. Se você não tem como de fato prevenir o uso das drogas — e me desculpe, essa é uma verdade — a questão é como lidar da melhor forma com elas.

Casos recentes, como o direito à prisão domiciliar concedido há alguns dias para Adriana Ancelmo [já anulada], e o do goleiro Bruno, que agora responde a processo por assassinato em liberdade, colocam em questão direitos na Justiça criminal. Algo no debate sobre estes dois casos te chamou a atenção?

Acho que a prioridade da Justiça criminal no Brasil deve ser o esclarecimento e punição de crimes contra a vida. Mortes violentas devem estar no topo da lista. Quando a gente banaliza a vida, isso traz uma distorção para todos os outros crimes. Não sou contra absolutamente as pessoas reconstruírem suas vidas, mas o caso Bruno não foi esclarecido: a gente não sabe o que aconteceu com a Eliza, onde está o corpo, o que fizeram com ela… Sou a favor do conceito de Justiça restaurativa, mas não sem os devidos ritos. No caso da Adriana Ancelmo, acho que temos que tomar muito cuidado com a sede de vingança. Mães ricas ou pobres devem ficar, sempre que possível, em prisão domiciliar sim. Lamento que tenha sido negado a ela e a tantas milhares de mulheres este direito. É muito custoso para a sociedade ter famílias dilaceradas e crianças crescendo sem pai nem mãe.

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