Errei ao jurar vingar sua morte, diz filho de Pablo Escobar

Pablo Escobar: Escobar morreu em dezembro de 1993, depois de ser perseguido pela polícia pelas ruas de Medellin
Martín Álvarez Engel, do HuffPost Brasil
Sebastian Marroquin nasceu em Medellin, na Colômbia, em 1977. Ele é o filho mais velho de Pablo Emilio Escobar Gaviria, o mais famoso chefão do narcotráfico na história da Colômbia e, possivelmente, do mundo.

Escobar morreu em dezembro de 1993, depois de ser perseguido pela polícia pelas ruas de Medellin, capital da província colombiana de Antioquia. Oficialmente, foi morto por soldados colombianos, mas ainda persistem teorias segundo as quais ele teria sido assassinado por membros de um cartel rival que colaboravam com agentes antinarcóticos.

Marroquin tomou conhecimento da morte de seu pai por um jornalista. Imediatamente, na televisão ao vivo, diante do país inteiro, ele jurou vingar a morte de Escobar. “Vou matar todos esses filhos da puta”, ele disse na época. “Eu mesmo vou matar todos eles.”

Marroquin tinha 16 anos quando o pai dele morreu, levando muitas pessoas a especular que ele se tornaria seu sucessor. Na verdade, testemunhas passadas já disseram que Marroquin estava se preparando para assumir as responsabilidades de seu pai.

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Aquelas palavras famosas custariam a ele, sua mãe e sua irmã uma vida no exílio na Argentina e a adoção de um novo nome, ele contou. Marroquin se arrepende de seu desabafo e disse que hoje é “um homem da paz”. Embora ainda ame seu pai, admite que Escobar era “um bandido”, alguém que fez muito mal à Colômbia e à sua família.

Hoje Marroquin vive na Argentina, onde é arquiteto. Ele percorre o mundo fazendo palestras sobre seu pai, “não para defendê-lo, mas para que as pessoas possam aprender com seus erros”. Essa é uma das razões por que ele critica a série Narcos, sucesso da Netflix.

Vinte e três anos após a morte de Escobar, Marroquin está lucrando com a aura mítica que cercava seu pai: ele é o protagonista de um documentário intitulado Sins of My Father (2009); escreveu um livro sobre ele, Pablo Escobar, o Meu Pai, e lançou uma grife de roupas.

“Meu pai virou um personagem de grande importância mundial”, ele diz.

Marroquin conversou com o HuffPost Espanha sobre seu falecido pai, o acordo de paz na Colômbia e sua vida como filho do notório chefe do narcotráfico.

Todo o mundo conhece você como filho de Pablo Escobar. Mas quem é Sebastian Marroquin?

Ele é um colombiano que, como mais de 5 milhões de outros colombianos deslocados pela violência, foi forçado a mudar sua identidade para recuperar seu direito à vida e à educação. Sou arquiteto, empreendedor, homem de paz e pai. Esse é Sebastian Marroquin.

Quanto de Pablo Escobar existe em Sebastian?

Cem por cento. Nada mudou na realidade, apenas o nome. Um documento. Um procedimento. A mudança no meu documento de identidade não significou uma renúncia ao relacionamento ou ao amor que ainda sinto por meu pai. Foi apenas uma ferramenta que nos permitiu salvar nossas vidas.

Sua mãe e sua irmã raramente aparecem na mídia. Já você assumiu o papel de porta-voz da família. Por quê?

Foi algo que eu escolhi. Eu poderia ter escolhido outros caminhos, como o silêncio total ou, o que seria muito pior, virar Pablo Escobar 2.0. Eu optei pela arquitetura, a paz, a reconciliação e o perdão de todas as pessoas com quem meu pai teve conflitos. É a isso que venho dedicando minha vida nos últimos anos.

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Qual foi o melhor conselho que seu pai lhe deu?

“Corajoso é aquele que não as experimenta”, ele me disse certa vez, aludindo às drogas. Ele tinha consciência do veneno que vendia e, como eu era seu filho, não queria que eu o experimentasse.

Como ser criado no ambiente do cartel afetou você?

Fui criado entre bandidos. Minhas babás eram algumas das piores criminosas da Colômbia. Hoje sou um homem de paz. Acho que o fato de ter tido contato tão estreito com eles me deu muita consciência das consequências de suas ações e do sofrimento que eles causavam a eles próprios, a nós e a muitos outros colombianos. Era como um espelho em que eu via o reflexo das pessoas em quem eu não deveria me transformar.

Qual é sua relação com as drogas?

É uma relação de respeito. As drogas fizeram muito mal à Colômbia e à América Latina em geral. A proibição das drogas e não das substâncias é o que nos trouxe guerras, corrupção e violações dos direitos humanos. Esses desafios também foram alimentados pelo mercado e pela sede de poder. Isso não mudou, mesmo 20 anos após a morte do meu pai. Tudo permanece intacto, tudo continua idêntico e o tráfico continua a funcionar muito bem, apesar dos traficantes que são mortos ou capturados.

Os norte-americanos às vezes pensam que tudo pode ser resolvido com uma arma, mas o tráfico de drogas é um drama humano que não pode ser resolvido com armas ou com agências superpoderosas de combate às drogas. Essa abordagem só garante que haverá problemas maiores.

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Em 2000 você foi preso na Argentina, juntamente com sua mãe. Você foi acusado de lavar dinheiro do tráfico, mas foi absolvido mais tarde. Sua mãe passou quase dois anos na prisão. Aquela foi a época mais difícil após a morte de seu pai?

A verdade é que já estávamos acostumados a esse tipo de tratamento. Mesmo assim, daquela vez foi duro, porque já estávamos fora da Colômbia havia cinco anos. Eu tinha concluído meus estudos. Era um profissional e levava uma vida muito diferente e distante, que não se parecia em nada com a vida do filho de Pablo Escobar. Mas, de repente, estava cercado pela polícia e virei alvo da atenção da mídia. Naquele momento você se pergunta: “Será que vale a pena ser bom, se vou acabar na prisão de qualquer maneira?” Parece que a prisão é a recompensa pelo bom comportamento. Você questiona muita coisa.

Seu pai acumulou uma fortuna e muitos bens que, depois da morte dele, passaram para o Estado colombiano. Muitos dos imóveis estão em ruínas, mas empresas privadas administram algumas delas, como a Hacienda Napoles, que hoje é um parque temático. A seu ver, o que deveria ser feito com os bens de seu pai?

A fortuna dele deveria estar nas mãos das vítimas, não dos políticos. Alguém deveria investigar o que foi feito dos bens que tiraram de meu pai, porque garanto a você que nem uma única das vítimas de Pablo Escobar recebeu reparos financeiros com o dinheiro confiscado pelo governo colombiano. Esse dinheiro ficou nas mãos dos políticos.

Esse fato acabou deslegitimando a ação do Estado, porque ficou parecendo uma briga entre mafiosos, em que cada um tentou abocanhar tudo o que podia. Naquela guerra, o lado vencedor sempre ficava com todo o dinheiro do lado derrotado e não usava esse dinheiro para indenizar as vítimas.

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Parece que os colombianos ainda têm sentimentos ambíguos a seu respeito.

Acho justo, porque quando meu pai morreu eu cometi o grande erro de ameaçar o país, de falar em vingar a morte dele. As pessoas se lembram de mim por isso: por um ato de dor e desespero quando ouvi a notícia da morte de meu pai. Elas não se lembram da segunda promessa que fiz, dez minutos depois: que eu dia estudar e contribuir para a educação de minha família e a paz no meu país. É isso o que venho fazendo há anos. Mas algumas pessoas se lembram apenas da ameaça que fiz mais de duas décadas atrás. Elas não valorizam todo este tempo durante o qual me comportei bem.


Você poderia ter feito o que ameaçou fazer?

Sim, não tenho dúvida alguma. Acho que é por isso que as pessoas começaram a perceber que, como minha irmã, eu sou responsável por meus atos, e não pelos atos de meu pai.

Além dos sentimentos ambíguos que eu possa ter tido, hoje não falo com promessas – falo com fatos. Nos casos em que respondi pelos atos de meu pai, foi no contexto da busca por reconciliação. Assumo a responsabilidade moral pelos crimes dele porque não há mais ninguém que possa fazê-lo e porque acho que é responsabilidade minha fazê-lo. Sou um homem de paz, e isso pode ser averiguado. Se não fosse, eu estaria morto.

Você já disse no passado que a reconciliação geralmente não faz parte da cultura colombiana. Em seu livro, você diz que pôde salvar sua vida porque você e sua mãe fizeram as pazes com outros cartéis. A Colômbia acaba de encerrar efetivamente outro conflito, firmando um tratado de paz com os rebeldes das Farc. Baseado em sua experiência, o que você acha desse processo?

Não posso falar especificamente dessa paz porque não a conheço tão bem quanto aquela que eu tive que negociar, mas a paz da qual posso falar é aquela que fizemos com todos os cartéis de drogas colombianos. Com base nessa experiência, acredito que os colombianos sejam capazes de fazer a paz. Mesmo as pessoais mais cruéis acabam se cansando de violência e guerra.

Negociamos a paz sob condições totalmente desiguais e totalmente desfavoráveis para nós, mas, mesmo sob circunstâncias tão adversas, valorizamos a paz que conquistamos e chegamos à conclusão de que ela parece bobagem, mas não é. A paz sempre custará pouco, não importa o preço que você pague por ela.

É isso que os colombianos não entenderam. O enorme significado da paz, a dimensão dela, o que significa para um país crescer, viver e desenvolver-se em paz. Estamos matando uns aos outros há 50 anos ou mais. A reconciliação não consta do vocabulário colombiano, não faz parte de nossa cultura. Haverá milhares de argumentos contra o processo, mas fazer a paz não é fácil. A guerra é para os covardes; a paz é para quem tem coragem.

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Existem muitas lendas em torno de seu pai. As pessoas falam em seus estoques de dinheiro escondidos, em uma fortuna enterrada, nas circunstâncias da morte dele e de coisas excêntricas que ele comprou com seu dinheiro. Qual é uma de suas histórias favoritas?

Já ouvi tudo sobre ele. As acusações mais improváveis e as mais dramáticas, mas também as que são verdade. A história que eu mais gosto é que ele ainda está vivo. Ele deve estar com Elvis, dizendo: “Toque uma canção para mim. Cante para mim.”

Este artigo foi originalmente publicado pelo HuffPost Espanha e traduzido do inglês.