Não, o dólar não está tão caro quanto parece

São Paulo – As altas do dólar têm causado calafrios nos brasileiros que pretendem viajar ao exterior. Mas, ainda que em agosto a moeda tenha atingido sua maior cotação desde janeiro de 2003 (ao bater os 3,53 reais), ao dizer que o dólar está tão caro quanto em 2003 algumas complexidades que envolvem o assunto são jogadas para o escanteio.
Por causa da inflação, os 3,53 reais de hoje compram uma quantidade menor de bens do que em 2003. Assim, é como se a cotação do dólar a 3,53 hoje estivesse mais barata do que a cotação do dólar a 3,53 reais em 2003.
A partir de dados do Banco Central, que mostram as cotações históricas do dólar ao final de cada mês, André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos, mostrou qual cotação do dólar hoje corresponderia à cotação de 3,53 reais em 2003 ao considerar a inflação.
A cotação da moeda ao fim de julho, de 3,39 reais (último dado disponível na série do BC), corresponde a 96% da cotação de janeiro de 2003, de 3,53 reais. Mas, ao observar a série de cotações do BC que embute o efeito da inflação (medida pelo IPCA), conclui-se que a cotação de 3,39 reais ao final de julho equivale a apenas 58% da cotação de 3,53 reais de 2003.
Ao fazer um outro cálculo, que considera não só a inflação no Brasil, como nos Estados Unidos (considerando o índice inflacionário Consumer Price Index – CPI), o dólar deveria estar cotado a 4,88 reais para estar no mesmo patamar de janeiro de 2003 – aos 3,53 reais – em termos reais.
“Não se trata de dizer que a situação está pior ou melhor, mas apenas que o câmbio nominal não expressa totalmente a realidade. Para que hoje o brasileiro fizesse o mesmo esforço que fazia em 2003 ao comprar um dólar, na verdade ele deveria pagar 4,88 reais”, diz Perfeito.
É importante lembrar que o cálculo do câmbio real é feito com base em dois índices inflacionários, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) no caso do Brasil e o Consumer Price Index (CPI), no caso dos EUA. Apesar de serem dois dos principais termômetros da inflação de ambos os países, eles medem a evolução de preços de uma cesta de produtos, portanto podem não representar com 100% de precisão o aumento dos preços.
O economista-chefe da Gradual diz que para refletir o mesmo poder de compra de janeiro de 2003, quando o dólar valia 3,53 reais, hoje a moeda norte-americana deveria estar cotada a 1,97 reais, segundos os cálculos que consideram a inflação em ambos os países.
Para esclarecer melhor o conceito, Perfeito cita um exemplo: Alguém que recebia um salário de 7 mil reais gastaria 3.500 reais para comprar 1.000 dólares (arredondando a cotação para 3,50 reais) em 2003, o que representaria 50% do seu salário. Supondo que o salário tenha subido para 10 mil reais hoje, para comprar 1.000 dólares agora ela pagaria os mesmos 3.500 reais (considerando a cotação de 3,50 reais), mas isso passaria a representar apenas 35% do seu salário.
Em outras palavras, mesmo que 3,53 reais comprem hoje menos bens que em 2003 (porque a inflação corrói o poder de compra do real), em ambos os períodos os 3,53 reais poderiam ser trocados por 1 dólar. Assim, hoje os brasileiros abrem mão de um poder de compra menor para adquirir a mesma quantidade de dólar.
Isso se reflete nas compras realizadas por brasileiros em dólar: mesmo com o real mais fraco, conseguimos comprar a mesma quantidade de dólares de 2003, assim nosso esforço de compra é menor. Justamente por essa razão, é possível dizer que a cotação da moeda norte-americana não está exatamente tão cara quanto em 2003.
Para observar a questão a partir de outro ponto de vista, basta pensar em um americano que convertesse seus dólares para reais: hoje ele conseguiria comprar menos bens no Brasil do que compraria em 2003, ainda que em ambos os casos cada dólar valesse 3,53 reais.
O gráfico a seguir, elaborado por André Perfeito com base nos dados do Banco Central e do U.S. Bureau of Labor Statistics (BLS), espécie de IBGE dos EUA, mostra a variação do dólar entre janeiro de 2003 e julho de 2015. A linha azul mostra a variação nominal do dólar e a linha vermelha mostra a variação em termos reais (incluído o efeito da inflação dos EUA e no Brasil).
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No gráfico nota-se que as linhas se distanciam ao longo do tempo e que o último ponto da linha vermelha – referente à cotação do dólar em julho de 2015, considerada a variação da inflação – está bem abaixo do ponto inicial do gráfico, que marca a cotação a moeda em 2003.
O economista-chefe da Gradual diz que não é comum calcular a variação do dólar considerando a inflação, mas defende que para períodos mais longos o correto seria observar a variação real da moeda, descontada a inflação.
Dessa forma, em sua opinião, seria possível compreender com mais clareza se o dólar está de fato mais caro ou não.EXAME
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